Abraços e pontapés

Foge, adepto francês! Foge, Mathis! Não deixem um gesto espontâneo sufocar em caricatura.

Tinha tudo para acabar mal. Senão, vejamos: 81 mil pessoas encafuadas num estádio, de ânimos ao rubro; 22 homens que a publicidade nos vende como gladiadores frente a frente no relvado, dispostos a tudo; hinos guerreiros… Ouçam A Marselhesa: “Às armas, cidadãos/ formem os vossos batalhões!”; Ouçam A Portuguesa: “Às armas, às armas/ contra os canhões marchar, marchar!” E, no entanto, muitas defesas e um golo depois, tudo acabou em festa. Festa dos vencedores, claro, que entre os vencidos reinou o desânimo. Por razões evidentes. É que eles iam ganhar. Uma briosa equipa francesa a jogar em Paris, na final do Euro 2016, com a França como país anfitrião, podia perder? Nem por sombras. Mas perdeu. Tal como Portugal perdeu em 2004, em idênticas condições (anfitrião, em casa, etc), frente à Grécia. Só que em 2004 não houve nenhum Mathis grego a abraçar um qualquer António choramingão.

Quem é Mathis? Um rapaz de 10 anos, luso-descendente, que as redes sociais transformaram em herói. Em plena euforia da vitória portuguesa, nas ruas, ele cumprimentou e abraçou um adepto francês que chorava, inconsolável. “Não nos conhecíamos, mas reconfortámo-nos um ao outro”, explicou depois o rapaz à SIC. “Quando ele me abraçou se calhar pensou, bom, que a nossa vitória foi justa. Disse-lhe: ‘Senhor, não fique triste, porque fizeram um grande jogo, jogaram muito bem, mereciam ganhar, mas o Rui Patrício não o permitiu. Foram a equipa que mais atacou mas os portugueses anularam a vossa táctica. E pronto.” Pronto, não. Porque quando o francês vira costas, Mathis olha em volta com um sorriso maroto, volta a desfraldar a bandeira portuguesa que tinha apertada entre mãos e volta alegremente à sua festa.

Pois bem: agora, andam à procura do adepto francês. Querem trazê-lo cá, mais à criança. O que foi um gesto espontâneo sufocará em caricatura. Vão exibi-los à exaustão, gastá-los em selfies, empanturrá-los de tudo até se fartarem, devolvendo-os à proveniência. Foge, adepto francês! Foge, Mathis! Que se os pontapés geram abraços, estes podem acabar em pontapés.

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