A Team France já voa nas Bermudas

A um mês do arranque da Louis Vuitton America’s Cup Qualifiers, visitámos a base de uma das cinco equipas que tentará disputar o mais antigo troféu do desporto internacional.

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Eloi Stichelbaut

A 22 de Agosto de 1851, durante a Exposição Universal de Londres, uma regata em redor da Ilha de Wight, ao largo de Portsmouth, colocou frente a frente o veleiro norte-americano America e 15 barcos britânicos. Com oito minutos de avanço sobre a concorrência mais próxima, o America foi o primeiro a completar os 98km da regata e a rainha Vitória, que aguardava os barcos na linha de chegada, terá perguntado pelo nome do segundo classificado. A resposta faz parte da lenda da America’s Cup: “Sua majestade, não há segundo.” 165 anos depois, a história do mais antigo troféu do desporto internacional continuará a ser escrita dentro de um mês, com o início das qualificações para a 35.ª edição da prova, e o PÚBLICO foi até à base da Groupama Team France, nas Bermudas, tentar perceber como se constrói uma equipa para disputar a prova em que apenas participa o “crème de la crème” da vela.

São 7h50 e numa das tendas da base da Groupama Team France, situada na Royal Naval Dockyard, no extremo Oeste das remotas Bermudas, o preparador físico escocês Neil Maclean-Martin comanda a sessão matinal de preparação física dos nove velejadores que formam a equipa francesa que, a partir de 26 de Maio, começará a lutar, com mais quatro adversários (Artemis Racing, Land Rover BAR, Emirates Team New Zealand e Softbank Team Japan), por um lugar na 35.ª America’s Cup. No ginásio improvisado, a aplicação é total, mas este é apenas o início de um longo e enérgico dia de preparação durante o qual o mundialmente reconhecido skipper Franck Cammas e os restantes velejadores da equipa francesa vão queimar cerca de 6.000 calorias. É assim desde o início de Fevereiro e será assim, pelo menos, até ao início de Junho.

Mas se Cammas é o rosto mais mediático da Team France, na retaguarda está Bruno Dubois, team manager e estratega dos franceses. Com muita experiência na prova — participou em três edições com a North Sails —, este francês começa por explicar que, apesar de ter uma equipa composta por mais de 80 pessoas — e muitos têm trabalhado nestes últimos meses “14 horas por dia, sete dias por semana” —, precisaria de ter mais “20% de pessoal” para chegar onde quer. Com menos de dois anos de vida, os primeiros passos do projecto da Team France têm-se deparado com obstáculos que os outros rivais não têm: a falta de investidores privados e a dificuldade em encontrar patrocinadores. Motivo? “Em França não é popular falar de dinheiro”, explica.

Com um orçamento de 30 milhões de euros — “dez milhões para a construção dos barcos, dez milhões para salários e dez milhões para as restantes operações” —, a Team France será o barco com menor orçamento, dos cinco que vão disputar a partir de 26 de Maio a Louis Vuitton America’s Cup Qualifiers, prova que apurará o “challenger” que defrontará a Oracle Team USA, detentora do título, na 35.ª edição da prova.

“A Team Japan gasta 40 milhões, Artemis e Oracle 75 milhões, a Team New Zealand entre 80 e 115 milhões e os ingleses [Land Rover BAR] 135 milhões”, começa por adiantar ao PÚBLICO Dubois que, no entanto, acrescenta que “não é por se ter todos esses milhões que se vai ganhar”. “O Frank [Cammas] e eu definimos este projecto a longo prazo e não precisamos de 150 milhões para fazer a America’s Cup. Podíamos investir esse dinheiro e dizer que queríamos levar a competição para casa, depois perdíamos na primeira regata e caíamos no ridículo, como aconteceu aos ingleses.”

Revelando que “um skipper normal recebe para participar na America’s Cup entre dois e três milhões de euros”, mas que o ordenado de Cammas “está longe disso”, Dubois considera que “não fazer uma figura ridícula na água já não será mau”, mas diz que, apesar de a competição ser “o topo da competição na vela” e nela participar “le crème de la crème” dos velejadores, tudo é possível: “Quando o Franck fez a primeira Volvo Ocean Race, disse claramente que estava numa corrida que não conhecia e que ia estar lá apenas para ver. O problema do Cammas é que sempre que vai lá apenas para ver, acaba por ganhar.”

Na nova era dos hydrofoils, que transformou a America’s Cup “num projecto tecnológico”, em que “é preciso investir como na Fórmula 1 ou no Dakar”, os AC 50 que vão disputar a prova são “um misto de barco e avião”, mas Dubois considera que a componente humana continuará a ser “fundamental”. “Não se pode fazer um Fórmula 1 sem um bom piloto. É preciso alguém como o Franck, é preciso compreender e dominar a máquina. Os foils são importantíssimos, mas há toda a engenharia por trás necessária para os controlar”, adianta o team manager da Team France que, sem querer fazer prognósticos, deixa escapar que “quem começar a voar e acabar a voar, sem nunca tocar na água, vai ganhar” nas Bermudas a 35.ª America’s Cup. 

O PÚBLICO viajou a convite da Norauto     

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