Benfica: a ludoteca de Renato Sanches

O Benfica de Rui Vitória superou definitivamente a herança táctica fantasmagórica de Jorge Jesus. Não quero com isto dizer que o actual técnico das “águias” não recicle dinâmicas do seu antecessor. Aprimorou e potenciou anteriores comportamentos, tendo conseguido transformar a assombração que lhe tolhia a autonomia numa “fúria” criativa. Agora a equipa tem a sua “impressão digital” e não se comporta tendo em conta a “sombra táctica” do anterior corpo técnico.

Vitória conseguiu estabilizar o 4x4x2 quando resgatou de novo o melhor futebol de Jonas como segundo-avançado. As invasões espaciais com movimentos de trás para a frente (lendo bem os espaços vazios deixados pelo ponta-de-lança) são a forma preferencial de ferir a baliza contrária. A estabilização de Mitroglou (mais posicional) a seu lado permite-lhe a anarquia táctica de que necessita para a sua “altivez com o golo” se manifestar.

O treinador tornou Pizzi também um jogador chave, sendo agora, definitivamente, um elemento maduro. De raiz um extremo que fura verticalmente em velocidade e remata certeiro na passada, evoluiu (ainda com Jesus) para um médio interior de recuperação (contenção ou pressão alta) e construção (bola controlada em posse, visão de jogo e passe, com chegada à frente para finalizar). De regresso nos últimos jogos à faixa direita, parte da ala para o meio dominando espacialmente toda essa zona. Pensa como médio e define como avançado, é jogador para todos os momentos de jogo (táctico-emocionais).

Renato Sanches é, indubitavelmente, o atleta que mais influencia a renovada roupagem táctica, sendo o modelo de jogo benfiquista um autêntico “fato feito à medida”. Com a sua titularidade, a equipa ficou muito mais equilibrada, o jovem preenche o campo em todos os momentos. Pressiona na primeira fase de construção, compensa a subida dos alas e recua quando necessário para apoio aos centrais. Em organização ofensiva possibilita o início de construção pelo centro e explode em “condução colada ao pé”, queimando linhas, sem nunca perder discernimento do tempo certo para libertar. Procura rapidamente chegar a zonas onde possa combinar com os avançados ou aplicar o seu potente pontapé. Esta liberdade selvagem de movimentos é-lhe dada pela perfeita articulação com os colegas, que se posicionam consoante a sua acção. O “trio compensatório” feito por Pizzi, Gaitán e Samaris torna o relvado numa ludoteca, onde a brincadeira do “miúdo” com a bola se transforma num ofício colectivo letal. Analista de futebol

Sugerir correcção
Comentar