A flor mais bonita do mundo cresce no escuro

A história do guineense Adelino da Costa, que aos nove anos se mudou para Portugal, aos 24 para os Estados Unidos e aos 32 voltou à Guiné, “para ver que Guiné tinha deixado para trás”. Brilhou nos ringues de boxe internacionais, criou ginásios em Nova Iorque e agora dá aulas aos miúdos de Bissau.

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Chegamos à Rua Guerra Mendes num jipe sempre aos solavancos por estradas esburacadas e poeirentas da capital guineense. Passa pouco das 13h30, o sol bate com força e Bissau está o forno do costume, 33 graus e níveis de humidade a bater nos 60%. No número 21, há várias ventoinhas a rodopiar no tecto. Não podia ser de outra maneira: quem aguentaria um treino de boxe de hora e meia debaixo deste calor?

Os rapazes já chegaram. Estão ao fundo da sala do Punch Bissau, que abriu há seis meses. Adelino da Costa entra connosco e descalça-se. Fazemos o mesmo: a poeira lá de fora rapidamente deixaria impraticável o chão negro deste que é o primeiro ginásio da cidade, dividido em dois espaços separados por um degrau. Assim que se entra, sacos de boxe de um lado e do outro; mais lá ao fundo, passadeiras, bicicletas elípticas e maquinaria de musculação.

Está tudo a postos para começar o treino desta tarde, por agora comandado por Erica, uma guineense de porte altivo, lábios pintados e grandes argolas penduradas nas orelhas. Quase todos vestidos com T-shirt e calções vermelhos, os rapazes posicionam-se frente a frente, cinco de um lado, quatro do outro. “Ika um son ku témkubali”, exorta Erica, ao que eles respondem: “Tudo témkubali!” “Ika um son ku témkubali”, “Tudo témkubali!”. De novo, ainda mais alto: “Ika um son ku témkubali”, “Tudo témkubali”. O lema deste grupo vai ser repetido várias vezes ao longo do treino e Adelino, Da Costa para os amigos, faz a tradução (e a introdução) que se impõe: “Não é só um que vai ter sucesso, todos vão ter sucesso.”

Esta é a história do sucesso de Adelino da Costa — e do sucesso que ele quer para os miúdos desfavorecidos de Bissau.

Das Marianas para o Harlem

Vamos começar pela ilha de Jeta, no Noroeste da Guiné-Bissau, onde Da Costa nasceu, em 1976, no seio de uma família manjaca, uma das várias etnias que compõem o puzzle deste país da África ocidental. “Os manjacos sempre foram um povo migrante”, explica Adelino — e com ele não foi diferente. Parte da sua infância e adolescência foi passada em Portugal, para onde os pais se tinham mudado. “Fomos para o bairro das Marianas, em Carcavelos. É um bairro especial, quem se forma lá forma-se para a vida.” À época, era um aglomerado de barracas, entretanto demolidas pela autarquia de Cascais, onde se concentrava uma grande comunidade de angolanos, cabo-verdianos, guineenses.

“A integração foi muito difícil. A língua dificultou. Só falava manjaco, os meus pais só falavam manjaco. A escola foi complicada no início. Ali, os pais não iam às reuniões, não te acompanhavam a fazer os trabalhos de casa, nada. O mais fácil era desistir da escola”, recorda Da Costa. Ele não desistiu — embora no Liceu de Oeiras, que frequentou até ao 11.º ano, tivesse de escolher sempre a secretária junto à janela. “Só me conseguia concentrar o mínimo se pudesse olhar lá para fora.” Era a sua sede de ar livre, de natureza. De certa forma, e apesar de estar a milhares de quilómetros, num ambiente urbano e de “construção desorganizada”, era assim que conseguia sentir-se “mais próximo” de Jeta. 

Foi também da ilha que herdou uma das suas maiores paixões. “A tribo manjaca tem raízes na luta. Há uma festa, tens de fazer uma luta. Acabas um trabalho, tens de fazer uma luta. Os manjacos estão sempre a lutar, é cultural.” Em Portugal, praticou karaté, kickboxing, muay thai. Começou a treinar num ginásio no Bairro Alto, depois no Sporting — e entretanto ia dando aulas aos miúdos das Marianas. Tudo de forma improvisada: tijolos faziam as vezes de pesos, sacos de cimento transformavam-se em sacos de boxe, a praia tornava-se um ringue. “Isto já estava programado para mim, tinha de respeitar esse sentimento, esses sinais que nos indicam o caminho.”

O caminho de Da Costa apontava ao sucesso. Fez carreira no kickboxing nacional, enquanto atleta e enquanto treinador, mas a dada altura quis voar mais alto. “Percebi que queria ser campeão do mundo e tive de mudar de vida.” Só nos Estados Unidos, onde tinha um amigo, poderia conseguir. “Há 17 anos” mudou-se para o Harlem, bairro nova-iorquino onde se concentra uma enorme comunidade afro-americana. “Estava num novo bairro das Marianas, agora nos Estados Unidos.” Mas lá “era outra batalha”, lembra Da Costa. “Não tinha tempo suficiente para treinar porque tinha de trabalhar.” Foi “lavar pratos para um restaurante durante três anos e meio” e com o passar do tempo subiu a “coffee boy”. “Sou a melhor pessoa do mundo a fazer café, garanto-te”, ri-se. Ainda chegou a “bar back, que dá apoio ao bartender”. “Saía às duas da manhã e ia treinar às seis, era a única hipótese.”

Por esta altura, já era no boxe que se concentrava, deixando as outras modalidades para segundo plano. “Todos os grandes campeões, eu estava no meio deles.” Chegou inclusive aos quartos-de-final “nos combates de selecção” para os Jogos Olímpicos de 2004. “Perdi e ainda hoje me dói”, desabafa. “Falhei por excesso de confiança. Durante algum tempo, não quis saber das luvas, não queria que ninguém me falasse de boxe.” Voltou a lavar pratos, numa espécie de travessia do céu ao inferno. Até que um amigo o chamou para dar aulas num ginásio no Upper East Side — e a sua vida voltou a mudar.

Foi a partir dessa “oportunidade” no David Barton Gym, frequentado por clientes endinheirados, que Da Costa reuniu o que precisava para montar o seu próprio negócio: dinheiro e experiência de personal training adaptada a uma clientela exigente. Em 2005, abriu o primeiro Punch Fitness Center, numa cave da Madison Avenue. A partir daí, foi sempre a crescer — abriu outro, e outro, e outro. Agora são cinco em Nova Iorque e dois em Bissau.

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“Não é fitness, é compromisso"

Voltamos a Bissau Velho, ao número 21 da Rua Guerra Mendes, onde Erica, ao fim de 20 minutos, já pôs todos os rapazes a suar em bica. Tanto estão aos socos nos sacos de água ou de espuma como, em menos de nada, já estão a fazer dez, 20, 30 flexões. Ou abdominais. “Ika um son ku témkubali”, “Tudo témkubali!” Outra vez. Mais uma. “É preciso incentivá-los, isto não é só treino físico, é também um treino mental muito intenso”, justifica Da Costa. A porta do ginásio está aberta para a rua e lá fora vai crescendo a audiência: um miúdo sentado no degrau, uma mulher com uma bacia de mangas à cabeça, outra a vender saquinhos de mancarra (amendoim), um homem de meia-idade, outro mais velho ainda. 

Foi mais ou menos assim que começaram estas aulas para os rapazes de Bissau. O Punch abriu e estes miúdos, conta Da Costa, ficavam a observar do lado de fora as aulas que aqui aconteciam. “Muitos deles estão sempre aqui à frente a lavar a carros, é a única forma de fazerem algum dinheiro. Então, um dia eles vieram ter comigo e pediram para ter aula. Eu aceitei, com duas condições: no final, tinham de limpar o ginásio, deixá-lo apresentável para os clientes seguintes. Eu digo sempre para eles: ‘Para tu conseguires ser um líder, tens de ter o pormenor da limpeza. Se souberes manter o teu espaço limpo, tu vais conseguir coisas maiores ainda’.” A segunda condição foi mais física: “Para eu os aceitar, eles tiveram de fazer 100 flexões, 100 abdominais, 100 agachamentos. Tinha de saber que eles estavam determinados e que tinham noção de que ia ser duro.” Desistiram dois, ficaram 10 — hoje está a faltar “um dos melhores”.

Os treinos acontecem três vezes por semana, às segundas, quartas e sextas, das 13h30 às 15h. “Não pagam um tusto para ter essas aulas, porque eu sei o que é querer uma coisa e não ter”, reforça Da Costa. Quase todos os rapazes que aqui estão “são de famílias pobres”. “Não passam fome, mas passam algumas carências. Vais ver pela roupa, vais ver pelo chinelo, se mudam ou não mudam a roupa todo o dia. Alguns já não vão à escola porque talvez não tenham dois calções ou três para ir mudando — o outro troca a roupa todo o dia, eles não têm roupa para trocar e isso desmotiva”, contextualiza Adelino. “Eu estou falando isso porque eu cresci nas Marianas e tive de me esforçar muito para ir para a escola, necessitava de uma certa apresentação. Havia a sala de ginástica e quando ia para lá tinha que ter um sapato especial. Estas são coisas que passei e eu sei. Estes também passam por isso de certeza absoluta”, acrescenta.

E depois dá um exemplo: todos estes rapazes têm um equipamento do ginásio — à excepção dos que vieram mais recentemente, dois ou três nesta tarde. É uma T-shirt vermelha onde se lê “Ika fitness, I compremisu”, que é o lema do Punch e significa “Não é fitness, é compromisso”, e uns calções igualmente vermelhos. “É suposto virem treinar com o equipamento impecável”, diz Da Costa, mas esta tarde um dos rapazes chegou com os calções rotos. “Fui-lhe perguntar porquê e ele disse que foi rato que roeu. Eu calei-me logo, porque isso mostra o contexto de onde ele vem.”

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Energia, força e pensamento positivo

Erica continua a instruir os rapazes, dá ordens em crioulo a Vladimir, um miúdo franzino sobre o qual Da Costa diz que “precisa de libertar energia negativa”. “Tu vês logo que está ali um campeão, estou-te a dizer, seis meses de treino e já dá um soco perfeito. Só que ele carrega uma energia negativa, uma espécie de sombra, que tem de soltar.” Diz isto e entra ele próprio em cena — no Punch Bissau, os treinos são dados por Erica, Da Costa e Braima Manba, que chegou há pouco e já pôs um dos rapazes a fazer mais abdominais e flexões, dando-lhe “descanso de 15 segundos”.

Da Costa pega num plastron e chama Vladimir. Põem-se frente a frente e o treinador incentiva: “Rápido, rápido, mais rápido.” E o rapaz desfere soco atrás de soco. “Presta atenção ao teu trabalho.” A aula é um frenesim constante, não há contemplações. Sempre aquele barulho das luvas a bater nas luvas ou nos sacos — tá, tá, tá —, das ventoinhas a girar no tecto e dos gritos dos três treinadores “Timóteo, três flexões aqui”, ordena Braima. Lá fora, a assistência cresce ainda mais.

Vladimir, 16 anos, é um rapaz tímido, de poucas falas. Sentamo-nos no chão com ele, perguntamos o que está a ganhar com estas aulas de boxe e a primeira coisa que faz é baixar os olhos e ficar em silêncio. Insistimos. Responde assim: “É simples. Estou a ganhar energia, força e pensamento positivo. E isso vai ajudar-me a trabalhar melhor.” Trabalhar em quê? “Em todas as tarefas do dia, como lavar roupa.”

Bruno Patrick Barbosa é mais expansivo. Está a treinar no Punch há três semanas, veio porque ouviu “os colegas a falar” e pediu à mãe para se juntar a eles. “Ela conhece o Da Costa, é a Sandra [Da Costa faz que sim com a cabeça, sabe quem é] e disse para eu vir cá pedir para entrar. Eu queria muito praticar boxe. Gosto muito de boxe desde pequeno, ficava a lutar lá na zona com os meus amigos”, conta. Aos 20 anos, Bruno está no 12.º ano e depois disso quer largar a escola e “tornar-se um boxeur”.

Na verdade, Bruno já sai fora das estatísticas: o abandono escolar na Guiné-Bissau é muito elevado e deve-se a motivos económicos, sociais e culturais. Um estudo de 2014, realizado pelo Governo guineense, em colaboração com as agências das Nações Unidas Unicef e UNESCO, revelou que 44% das crianças que deviam estar a cumprir a escolaridade obrigatória, que teoricamente vai até ao 9.º ano, estavam fora do sistema educativo. Ao mesmo tempo, mostrou que o parque escolar é fraco e mal distribuído e que a taxa de reprovação dos alunos é muito alta. São dados de há três anos, num país onde cerca de 60% da população tem até 24 anos (39,2% dos 0 aos 14; 20,17% dos 15 aos 24, números da CIA World Factbook) e onde a taxa de alfabetização é de apenas 43,7%.

Há muita coisa “por fazer na Guiné”, lamenta Da Costa, e ele só quer dar o exemplo. “Se alguém precisa, e tu estás lá, e sabes que podes, é o teu dever. Não há como não fazer. Se eu consigo dar-lhes isto, que eles precisam, eu tenho de fazer isto”, completa. Estes miúdos vêem o boxe como uma saída. Não só para eles próprios, porque quem pratica esta modalidade trabalha com paixão, com inteligência, com estratégia, com antecipação. Não é só um que vai ter sucesso, todos vamos ter sucesso. Porque esse país precisa de novas sementes”, comenta. 

Voltamos à conversa com Bruno, que conta como no início dos treinos as coisas foram difíceis. “Sentia dores nos pulsos, nas mãos, mas agora já não. O treino é duro, mas aguento tudo. Quero ser campeão nacional, internacional, tudo, qualquer que seja o título. É nisso que me quero concentrar.” Os colegas interrompem-no com aplausos. “Ika um son ku témkubali”, “Tudo témkubali.”

Adelino gosta do que ouve, está orgulhoso dos seus rapazes. E ainda não falou Maurício Paulo Martins. Praticava râguebi, mas o treinador foi para o Senegal e ele sentiu que não tinha mais para onde evoluir. “Então escolhi treinar boxe” — e a modalidade, diz, já lhe deu “reflexos para fazer melhor” as tarefas do dia-a-dia, como “limpar a casa ou lavar roupa”. Aos 17 anos, Maurício estuda no 8.º ano, mas, conta Da Costa, tal como muitos dos outros miúdos, precisa de ajudar a família, com trabalho dentro ou fora de casa. Segundo o World Factbook, há na Guiné-Bissau 226 mil habitantes entre os cinco e os 14 anos em situação de trabalho infantil.

Há mais números que mostram como a vida dos guineenses é tudo menos fácil. No índice das Nações Unidas relativo ao Desenvolvimento Humano, o país ocupa a 177.ª posição num ranking que vai até à 187.ª; em 2010, o Instituto Nacional de Estatística guineense anotava 33% da população a viver com menos de um dólar por dia; e um ano antes a CIA World Factbook alertava para a existência de uma cama de hospital por cada mil habitantes.

Paulo Pimenta
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País “quase esquecido”

Isso quando há hospital, claro. No arquipélago dos Bijagós, por exemplo, a assistência médica é praticamente inexistente — e foi por esse motivo que Adelino da Costa tomou a iniciativa de construir um “bloco operatório” em Bubaque, onde detém um empreendimento turístico, o Dakosta Island Beach Camp. Vivem nesta ilha cerca de 9 mil pessoas, a 41 milhas do continente — três horas de barco, na melhor das hipóteses —, “sem qualquer tipo de assistência”. Quando passamos por Bubaque, Da Costa faz-nos uma visita guiada ao hospital que está a erguer.

“Não podemos estar à espera dos outros para fazer coisas que podemos fazer”, vai dizendo, enquanto nos mostra as salas que vão dar assistência aos habitantes de Bubaque, “sobretudo às mulheres em trabalho de parto”. A obra, que foi acompanhada por arquitectos dos Estados Unidos — “estudaram, por exemplo, a circulação do ar, porque não vamos poder ter o ar condicionado ligado a toda a hora mas queremos ter um clima o mais confortável possível cá dentro” —, arrasta-se há dois anos, “com dificuldades, avanços e recuos”, mas Da Costa está esperançado que o hospital possa abrir até ao final do ano. “Há alguém neste momento que está a sofrer porque este espaço ainda não existe. Isto é para dar certo. Já fiz contactos com grupos de médicos internacionais, portugueses incluídos, para a questão dos equipamentos deste bloco operatório e há também vários jovens a quererem aplicar aqui a sua sabedoria na área”, confia.

O que Adelino está a fazer em Bubaque — o hospital; os 1200 sacos de cimento e as chapas de zinco que doou à tabanca de Bruce, uma das comunidades da ilha; o próprio Dakosta Island Beach Camp, que criou postos de trabalho — é uma forma de retorno pelo que o país lhe deu. “Eu saí daqui com nove anos, não tive vida fácil no início, fui para Portugal, depois para os Estados Unidos, mas esta é a minha casa, estas pessoas entendem-me como um deles. Voltei para a Guiné em 2008 para perceber exactamente a Guiné que tinha deixado para trás.”

Pedimos-lhe, então, um retrato da Guiné que encontrou. “Encontrei um país quase esquecido. Há quem diga que este é o terceiro país mais pobre do mundo — ou o quinto, não faz muita diferença.” O World Factbook da CIA indica que dois em cada três guineenses vivem abaixo do limiar da pobreza e que a economia do país está dependente da agricultura de subsistência, da exportação de castanha de caju e da ajuda internacional.

A instabilidade política que se vive na Guiné-Bissau torna tudo ainda mais difícil. Houve eleições presidenciais e legislativas em 2014. O Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC) apoiou José Mário Vaz, o vencedor das presidenciais, mas divisões internas partidárias inviabilizaram a aprovação dos programas de Governo. No período de dois anos, a Guiné teve cinco primeiros-ministros.

O fantasma de um Governo que pode cair a qualquer momento está desde há muito instalado nas ruas. Quando passámos por Bissau, sobrava a sensação de que algo poderia acontecer em breve. No último fim-de-semana de Maio, tínhamos regressado a Portugal havia dois ou três dias, várias pessoas ficaram feridas durante uma manifestação na capital guineense convocada pelo Movimento de Cidadãos Conscientes e Inconformados, que exigem a renúncia do Presidente da República, alegando que é ele o responsável pela crise no país. No passado fim-de-semana, o Governo proibiu a realização de novas manifestações. E na segunda-feira, escreveu a agência Lusa, foi anunciado que a Ecomib, força composta por militares do Senegal, Togo, Burkina Faso e Nigéria enviada para a Guiné para garantir a segurança dos titulares dos órgãos de soberania, vai permanecer no país pelo menos mais três meses — quando em Abril a Comunidade Económica dos Estados da África Ocidental, responsável pelo destacamento desta força, tinha decidido que os militares abandonariam Bissau até ao fim de Junho. 

Apesar deste quadro desfavorável, Da Costa tem a convicção que “a Guiné é o primeiro país do mundo em termos do coração da sua população”. “É por isso que acredito que, se eu conseguir criar negócios aqui, vou fazer mais e melhor pelo meu país.” É essa a grande lição que quer dar aos rapazes que continuam aos socos no Punch Bissau: “Se cada um der o melhor de si, a Guiné vai melhorar.” “Eles estão a fazer boxe com amor e paixão. Mesmo que não tenham uma carreira, já estão a construir uma coisa colectiva. Estes são miúdos desfavorecidos, mas aqui estão a ajudar-se uns aos outros. Por isso é que aquele é o nosso lema, ‘Ika um son ku témkubali, tudo témkubali’.”

Da Costa olha em volta, para o seu ginásio decorado com máscaras bijagós e recortes da imprensa internacional que já contou a sua história — New York Times, Vogue, revistas russas e francesas — e sorri. “Eu acredito no futuro destes miúdos, no futuro deste país. Sabes porquê? Porque a flor mais bonita do mundo cresce no escuro.” É a flor de lótus.

O PÚBLICO viajou a convite da TAP e do Ministério do Turismo da Guiné-Bissau

Esta reportagem encontra-se publicada no P2, caderno de domingo do PÚBLICO 

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