4D

1. Desporto, Dinheiro, Direito e Direitos fundamentais.

2. Para uns o papel do Direito do (ou no) Desporto impõe-se pela crescente omnipresença do dinheiro, dos interesses económicos que se disseminam na actividade desportiva, naturalmente com enfoque na de natureza profissional. Esta é uma tese que ganha adeptos com facilidade, por mais que não seja por eles próprios viverem desse desporto “macdonalizado”.

3. Contudo, continuamos a considerar que o Direito, e agora o Direito que se projecta no desporto não vive só, nem em predominância, para compor o negócio. Seria impensável desconsiderar esse segmento, num mundo capitalista desportivo, mas cremos que devemos imputar ao Direito um papel essencial na afirmação dos direitos fundamentais dos diversos operadores desportivos e, muitas vezes, em conflito com os interesses económicos envolvidos ou que (quase) tudo determinam.

4. O desporto, porém, é uma realidade bem viva e repleta de novidades e momentos inesperados, embora porventura, como no todo social, silenciados por alguns em nome do politicamente correcto ou por necessidades de sobrevivência. E daí que o ténis internacional nos tenha oferecido uma situação 4D.

5. Tudo parece ter começado (?) com as afirmações de Raymond Moore, director do Torneio de Indian Wells: “Se fosse jogadora agradecia a Deus por Federer e Nadal terem nascido”. Antes da final feminina. Seguiu-se Novak Djokovic dando conta do seu pensar: os homens deveriam ganhar mais que as mulheres no ténis, desde logo por os torneios e jogos entre homens gerarem mais receitas. Do outro lado, Serena Williams, mas também Martina Navratilova, bicampeã em Indian Wells, que apelou mesmo a um boicote ao torneio. O director demitiu-se e Djokovic pediu desculpa nas redes sociais, como é de bom-tom.

6. A questão, contudo, convoca, para além do muito dinheiro envolvido, um princípio dos direitos fundamenais, o princípio da igualdade, recolhido (quase) universalmente. Reduzindo os termos da questão: devem homens e mulheres, tenistas de alto nível, ter iguais prémios por vitória em torneios internacionais? Diga-se que, ao que se apurou na imprensa, há torneios em que tal sucede mas em outros assiste-se a prémios mais avultados para os homens.

7. Como seria de esperar a questão não pode deixar de convocar alguma complexidade e o mundo do desporto vive ele próprio, no seu aspecto mais imediato, como soluções diferentes para ambos os dois sexos. Por exemplo, só uma modalidade desportiva vive com a obrigatoriedade de as equipas serem mistas, o corfebol. Por regra as competições são alinhadas por sexo.

8. De todo o modo, um prisma para  olhar a questão de hoje passa por encontrar – ou não – uma razão objectiva, material, não arbitrária, que permita sustentar a diferença de prémios em virtude do sexo. Bastará a alusão ao facto – a comprovar, naturalmente – que os torneios de homens geram mais receitas do que os das mulheres?

9. Relembra-se uma decisão do Tribunal Constitucional a propósito da diferenciação (abismal) entre os prémios (e a fórmula da sua atribuição) concedidos pelo Estado aos atletas de alto rendimento, não portadores ou portadores de deficiência. Esse tribunal decidiu que tal diferença não violava o princípio da igualdade, pois justificava-se em dois dados objectivos: a maior projecção mediática dos Jogos Olímpicos e, consequentemente, a maior exposição do Estado português no espaço internacional. Mal, a nosso ver. Seria bom que o Estado português seguisse o exemplo de outras nações – e não se quedasse pelo conforto de um juízo de constitucionalidade – e, em ano de Jogos Paralímpicos, acertasse essas contas.

10. PS (não é Partido Socialista): Ao leitor que nos enviou tema para “estudar”: não está esquecida uma nova vinda ao caso “Slimani”.

josemeirim@gmail.com

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