Requiem por uma época sem identidade

A época iniciou com Lopetegui a tentar restaurar a imagem da instituição, que vivera uma temporada desastrosa ao nível de títulos em 2014-15. Este treinador trouxe para a Invicta uma ideia de jogo interessante, obcecada pelo domínio do adversário, manietando-o através da posse e circulação. Este primado do jogo apoiado levou a uma excessiva “mastigação” na primeira fase de construção, numa incessante troca de passes entre os elementos da defesa, o que emperrava a equipa, tornando-a pouco perigosa para os oponentes e uma moléstia para os adeptos. No entanto, era um conjunto sólido, estável no jogo posicional e com ocupação racional dos espaços. Percebia a importância de como perder a bola (zona e momento), sempre com o processo colectivo bem preparado para os momentos de transição defensiva e recuperação. Apesar da inoperância ofensiva, o "onze" do basco era um bastião.

A eliminação da Champions e a distância de quatro pontos para o Sporting no início da segunda volta do campeonato levaram a direcção a demitir Lopetegui, postura que denotou uma inabitual hipersensibilidade ao assobio vindo da (irracional) bancada. O substituto foi José Peseiro, defensor da vertigem atacante e garante de um futebol agradável, mas ineficaz no trabalho defensivo. Quando um treinador é contratado a meio da época, a lógica dita que haja um reciclar do que de bom foi feito e potenciar o que não está maturado. Neste caso, bastaria apenas melhorar o que faltava ao "onze" nos últimos 30 metros (melhorar a relação dos extremos com a zona interior, médios com capacidade de chegada à frente, mais combinações em tabela e eficácia na finalização). Fazer crescer a “equipa curta” de Lopetegui, tornando-a temível no campo todo.

Não foi esse o raciocínio de Peseiro (estilhaçou tudo o que fora criado). A equipa passou de um padrão de jogo vincado e dominante (embora aborrecido), para um estado de despersonalização competitiva. A construção lateralizada a partir de trás foi preterida por uma verticalização rápida procurando a zona intermediária. Os laterais, já excessivamente projectados garantindo profundidade (principais desequilibradores com Lopetegui), foram instigados a pisar zonas interiores. A perigosidade atacante manteve-se, não compensando, porém, o sofrimento causado aquando da transição defensiva, devido à impossibilidade de reposicionamento natural, junto à linha (inexistência de articulação com o extremo e abandono dos centrais, inviabilizando “dobras”). Para além de abdicar dos processos que lhe eram característicos, procedeu contrariamente à posterior “natureza táctica”. Destruiu e inverteu, sem regeneração alguma.

No final do jogo que ditou a derrota na Taça de Portugal, perante o Sp. Braga, Peseiro afirmou: “Fomos FC Porto, excepto no resultado”. O coruchense, que já admitiu ter de se familiarizar com a identidade portista (para a adquirir na plenitude), está completamente desfasado da cultura que fez triunfar a instituição. Ser FC Porto não é (nem nunca poderá vir a ser, segundo os seus pergaminhos) tentar rectificar resultados depois de oferecer dois golos de forma absurda (mesmo tendo os atletas reagido bem à adversidade).

Estes últimos três anos foram os piores da presidência de Pinto da Costa. O "tri" benfiquista adensa dúvidas sobre um futuro tingido a azul e branco (nunca o presidente esteve quatro épocas sem ser campeão). Novo desaire no próximo ano é a certeza de uma nova tendência, o fim de uma era. Pior do que perder, é perder sem identidade. Os dragões têm de restaurar o “código genético” que destinou o clube a tantas vitórias.   

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