Como lançar novos jogadores

A necessidade aguça o engenho, mas também é preciso ter um bom nariz para descobrir os talentos e bons métodos para os lançar nas primeiras equipas. Mário Reis tem uma obra e levanta o véu sobre os seus métodos.

Quando os clubes procuram equilibrar as contas, a possibilidade de uma transferência de um jogador pode marcar a diferença entre a salvação ou a crise económica de resultados imprevisíveis. A importância de um treinador que tenha engenho e arte para tirar o máximo partido das cartas fechadas que são jovens jogadores, vindos ou não de escalões inferiores, é, assim, fundamental, e um dos nomes que parecem talhados para lapidar diamantes em bruto é Mário Reis. Todos os anos futebolistas anónimos saltam para o galarim pela sua mão. Sá Pinto, hoje na Real Sociedad, ou Edmilson, agora no Sporting, servem de bons exemplos.Mas a sua lista é impressionante: no Rio Ave, Paulinho Santos e o brasileiro Isaías; no Salgueiros, fala de Pedrosa, Luís Manuel, Renato, Jorge Silva, Pedro Espinha, Abílio e tantos outros; no Boavista, Pedro Emanuel, o guarda-redes Ricardo, Delfim, William Andem (aconselhou a contratação), Quevedo, ou mesmo Ayew, Jimmy e Nuno Gomes, que passaram a ser titulares com ele; no Setúbal, Sandro, Carlos Manuel, Mário Loja, Mamede, Bruno Ribeiro; no Leiria, Augustine, Bakero, Sérgio Nunes, Dinda... E por aí fora, sendo certo que Reis sabe que, em muitos casos, divide com outros treinadores o mérito do lançamento de alguns desses nomes. Mas também é de lembrar que há outros treinadores com capacidades reconhecidas nesta matéria: João Alves ou Fernando Santos (nos tempos da Amadora) são outros dois casos.Desde que foi chamado a substituir Filipovic no comando técnico do Salgueiros, corria a época de 1992-93, Mário Reis não tem parado de surpreender. Nessa altura, a formação de Vidal Pinheiro parecia irremediavelmente condenada à descida e Mário Reis, que tinha abandonado o Felgueiras, lançou então na primeira equipa como titular um nome que o anterior técnico mantinha escondido: o jovem Sá Pinto. O avançado marcou seis golos, ajudou a salvar a equipa e pouco depois transferiu-se para o Sporting. Mário Reis descobriu então no Nacional da Madeira (II Divisão de Honra) um brasileiro que dava pelo nome de Edmilson. Um ano foi o suficiente para dar o salto para o FC Porto. Pelo meio brilharam jogadores como Bino (Sporting), Tulipa, Abílio ou Luís Manuel (Boavista), que não eram desconhecidos, mas não deixaram de atingir com ele um nível que não conheceriam noutras paragens. E na temporada de 1995-96, Reis lançou Nandinho, vindo do Castelo da Maia (III Divisão), que hoje está no Benfica. Quando abandonou Vidal Pinheiro, em 1996-97, o rumo do técnico foi Setúbal e aí deu a conhecer, entre outros, Carlos Manuel (agora no FC Porto) ou Frechaut. Nessa temporada ainda rumou ao Bessa, e Reis foi buscar um dos melhores laterais-esquerdos do futebol português: Quevedo, na altura no Moreirense, da Honra. E ainda teve tempo para aconselhar a contratação de William, claramente um dos melhores guarda-redes do último campeonato.Mas o que leva um treinador a apostar em tantos nomes desconhecidos? "A necessidade de encontrar atletas de valor a baixo custo", responde Mário Reis. "Pelos clubes por onde tenho passado, com a relativa excepção do Boavista, nenhum deles tem capacidade financeira para contratar jogadores feitos. Prefiro sempre lançar um jovem a ter de apostar num futebolista de qualidade duvidosa só porque tem mais experiência", explica o treinador. Talvez por isso, todos os anos surjam novos nomes nas suas equipas. Esta temporada uma das revelações foi Bakero, que acompanhou o técnico na viagem de Felgueiras para Leiria, tal como Sérgio Nunes, já contratado pelo Benfica. E este ano pediu ao presidente do Leiria que contratasse Ricardo Silva, do Gil Vicente. O jogador chegou a ter tudo acordado, mas acabou por escolher o Boavista. Para convencer Mário Reis a apostar num determinado jogador é preciso que o atleta apresente boa técnica e boa capacidade física. Mas mais importante que isso é o carácter. "É preciso que seja psicologicamente forte, tem de achar que não fica a dever nada aos que já estão na I Divisão e que é um candidato a titular", diz o treinador. O caso de Nandinho serve de exemplo: chegou a Vidal Pinheiro sem que Mário Reis o tivesse visto actuar em qualquer jogo. O objectivo era que assinasse e fosse emprestado ao Leixões ou ao Freamunde. "Mas nos treinos vi que tinha qualidades raras, nas peladinhas ia para cima dos adversários sem qualquer receio, jogava de igual para igual. Resolvi ficar com ele". Seguiu-se um trabalho técnico-táctico específico, o que, de resto, faz com todos os novos atletas. "É fundamental, porque jogar na I Divisão não é o mesmo que jogar noutros escalões. É mais competitivo e pede-se aos jogadores outro tipo de intervenção. Por exemplo, este ano trabalhei o Sérgio Nunes e Ricardo Silva no sentido de subirem mais no terreno e criarem situações de desequilíbrio no meio-campo. Isso vai-os ajudar e muito no Benfica e FC Porto, porque são equipas que precisam que os centrais façam essa função".Para justificar a elevada taxa de êxito que consegue quando aposta num jovem ou num jogador proveniente dos escalões inferiores, aponta uma razão fundamental: a tranquilidade que transmite aos atletas. "Quando coloco em campo um jogador nessas condições, antes faço-lhe ver que não deve ter medo de errar. Digo-lhes sempre: joga o que sabes e não tenhas receio, porque mesmo errando voltas a jogar no próximo jogo. Se ele não estiver plenamente convencido, fica tolhido e nunca renderá aquilo que sabe e pode", explica. "O jogador tem de ter confiança no treinador e acho que a minha capacidade para fazer passar essa mensagem é um dos meus principais trunfos". Uma qualidade que tem dado muitos nomes ao futebol português, como por exemplo Paulinho Santos, que se estreou na equipa do Rio Ave pela mão do actual técnico. "No fim de cada época é frustrante ver sair estes jogadores, mas por outro lado fico satisfeito porque os ajudei a crescer para o futebol".

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