Why Portugal no Eurosonic? Porque há talento, mas falta o resto

Portugal vai ser o país em foco na edição 2017 da maior conferência da indústria da música europeia.

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Centro de conferências Oosterport

Durante o dia promovem-se encontros de trabalho, negoceiam-se parcerias no âmbito de plataformas europeias, participa-se em conferências ou workshops ou tenta-se seduzir para um projecto novo os interlocutores certos. No total são cerca de 4000 profissionais da música europeia, entre promotores, editores, managers, agentes ou jornalistas que todos os anos se juntam na cidade de Groningen, na Holanda, para o Eurosonic, montra para artistas ou grupos emergentes, espaço de negócio e festival.

À noite os fatos de trabalho são despidos e os profissionais juntam-se às cerca de 40 mil pessoas que, durante três noites, deambulam por 39 espaços (entre clubes, teatros ou bares), sendo a larga maioria concentrados na zona central da cidade, para assistir a 345 concertos, de artistas de 42 nacionalidades. Ali existe uma cultura de assistir a concertos ao vivo. Vai-se a um concerto como se vai ao café pela manhã. É a coisa mais natural do mundo. E quem o faz são pessoas das mais diversas idades. Não existe a artificialidade do rock como coisa para jovens. Não espanta que uma cidade relativamente pequena tenha um número infindável de espaços para concertos.

Basta entrar num lugar como o Vera Club para o perceber. Ali respira-se a memória e o presente das linguagens rock mais alternativas. Nas paredes vislumbram-se alguns dos nomes que por ali passaram ao longo de décadas (Feelies, Cramps, Gun Club, Jon Spencer Blues Explosion, Nick Cave) e percebe-se que o rock é coisa séria. O Eurosonic é, ao mesmo tempo, produto dessa cultura e, desde há trinta anos, grande impulsionador e garante da mesma.

Tocar no Eurosonic não é garantia de nada. Pode-se actuar no festival casuisticamente e nada acontecer. Mas também pode suceder o inverso e o evento servir de rampa de lançamento, desenhando outras perspectivas, digressões e novos contratos. Foi isso que aconteceu com os Franz Ferdinand, James Blake, Lykke Li, Benjamin Clementine, The xx, Stromae ou os portugueses Buraka.

Até se pode alcançar tudo isso apenas com talento e alguma sorte. Mas as possibilidades de isso acontecer com planeamento, organização, com uma estrutura de apoio, numa exposição de conjunto, aumenta consideravelmente. Pelo menos é nisso que acreditam os responsáveis da Why Portugal, plataforma agora constituída resultante de várias associações profissionais (editoras, festivais, managers) que estão em ligação com redes internacionais.

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Painel: How Cities Are Impacting Music Industry Development

Nos últimos meses tentaram junto da organização do Eurosonic que Portugal fosse o país em foco em 2017 e conseguiram-no. O anúncio oficial foi no sábado com um dos principais impulsionadores da iniciativa, o vice-presidente da Associação de Músicos Artistas e Editoras Independentes (AMEI), Nuno Saraiva, a garantir perante uma plateia de agentes e jornalistas internacionais que Portugal tem todas as condições para surpreender a indústria musical europeia.

O Why Portugal “é um veículo para que as pessoas possam vir aqui, de forma profissionalizada, planeada e enquadrada, apresentar os seus projectos”, diz Nuno Saraiva, “para que Portugal faça também parte do mapa da indústria, ao nível dos seus mais diversos subsectores.” Não é um organismo ou uma agência de fomentação da exportação da música – à imagem do que acontece em muitos países europeus ou do sempre adiado Portugal Music Export. A sua acção vai mais no sentido de criar as condições institucionais e o planeamento estratégico para que Portugal seja o país em foco no Eurosonic de 2017. Portugal irá suceder à Islândia, país em foco em 2015, e a um conjunto de 6 territórios da Europa do Leste este ano.

Até 20 portugueses
No âmbito dessa iniciativa espera-se que estejam no próximo ano, em Groningen, até 20 projectos musicais portugueses – que terão de se submeter para poderem ser seleccionados pela organização local – e muitos outros profissionais da música, para transmitirem uma panorâmica do que se passa em Portugal, através de concertos, conferências, acções de comunicação, networking  e marketing.  

Falando com alguns agentes e jornalistas no terreno percebe-se facilmente que ficam surpresos, por exemplo, com o número de festivais de música que aqui ocorrem. O seu desconhecimento da realidade lusa é quase total. A maior parte conhece os Buraka. E alguns os Batida, Legendary Tigerman, Paus e fado. E pouco mais.  

Para se sair do estádio de internacionalização em que a música portuguesa se encontra, dependente de iniciativas localizadas e dispersas, a Why Portugal acredita que é necessário um programa de conjunto e uma estratégia concertada, de forma a que os mais diversos agentes da música em Portugal possam concorrer em condições de igualdade, organizando-se, dando-se a conhecer e percebendo também quem são os interlocutores internacionais.

E a edição deste ano? Durante o dia o centro de conferências Oosterport, um grande edifício multiusos que integra também seis salas de espectáculos, recebe os profissionais da música que se dividem por entre encontros, conferências e painéis. Foi aí que encontrámos Rui Torrinha, programador no Centro Cultural Vila Flor de Guimarães e do festival português Westway Lab Festival, que pertence à rede European Talent Exchange Programme (ETEP), à procura de parcerias e novos talentos para cruzar bandas portuguesas e europeias no âmbito de residências artísticas, ou o programador da sala MusicBox em Lisboa, Pedro Azevedo, que pertence ao projecto LiveEurope, que agrupa uma série de espaços.

“No fundo estamos a falar de uma espécie de banco de bandas emergentes europeias”, diz-nos ele, “que podem ser programadas com uma série de critérios. Por hipótese, imaginemos, que até ao final do ano, programamos 30 projectos que cumpram com todos esses requisitos. Significa que iremos ter um apoio de 30 mil euros, o que contribui para que arrisquemos mais em termos de programação, não estando tão dependentes da bilheteira, e apresentando grupos que de outra foram dificilmente alguma vez tocariam em Lisboa.”

O músico e programador Luís Fernandes (Peixe: Avião, Astroboy, GNration e festival Semibreve) foi um dos participantes dos 150 painéis e encontros previstos ao longo dos três dias. Coube-lhe reflectir, na companhia de mais quatro intervenientes internacionais, a partir da sua experiência como programador em Braga, sobre a relação entre as cidades, a música e as artes em geral. A comunicação de talentos, a captação de públicos, a formação de massa crítica, a criação de ecossistemas criativos, as políticas públicas ou os fenómenos de gentrificação, foram alguns dos aspectos abordados.

Quem está também sempre presente é a Antena3, que integra a rede de rádios públicas europeias, convidando anualmente um nome português. The Gift, Rita Redshoes, Orelha Negra, Moullinex ou Batida foram alguns dos protagonistas de edições anteriores. Desta feita foi Da Chick. Outro português, Branko dos Buraka Som Sistema, também esteve presente, mas a convite da própria organização.  

Espectáculo Da Chick
Teresa de Freitas, ou seja Da Chick, coadjuvada por dois bailarinos gémeos e pelo DJ e mestre de cerimónias Mike El Nite, esteve muito bem. Numa sala magnífica, a Huize Maas, revelou perante uma plateia atenta, no início, e depois vibrante e conquistada, os temas do álbum Chick To Chick (2015), fazendo-a sempre com grande sentido de espectáculo, numa mistura de eficácia cénica – excelente o trabalho dos bailarinos – voz jovial, sentido lúdico e música onde os impulsos electro se misturam com elementos disco ou fraseados funk, resgatando ao esquecimento períodos do passado da música popular, fazendo-os coincidir para canções físicas, divertidas e libidinosas.

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Teresa de Freitas, ou seja Da Chick, esteve muito bem. Revelou perante uma plateia atenta, no início, e depois vibrante e conquistada, os temas do álbum Chick To Chick (2015)

Naturalmente, ao nível dos concertos, o Eurosonic é um acontecimento muito diverso. Mas é possível desenhar algumas tendências. A música neo-soul ou o R&B mais contemporâneo está em alta, com muitas formações a investirem nessas linguagens. É o caso da cantora londrina Nao, que com apenas dois EPs, um falsete felino e uma soul que não receia a intromissão de novas tipologias electrónicas, já conquistou muitos ouvidos. Para mais, em palco, revela uma voz quente, capaz de suportar uma música imaginativa.

Pelos caminhos do R&B mais intricado revelou-se o britânico Alex Crossan, ou seja Mura Masa, capaz de criar uma sonoridade fragmentada, mas que é capaz de criar momentos de calor orgânico, actuando sozinho com percussões, guitarra, piano e programações. Outra boa surpresa foram os holandeses Nnenn, autores do álbum Snapshots Of Eternity (2015), um par que tanto evoca os Portishead como FKA Twigs, com a voz límpida da cantora a desenhar-se por entre os dinamismos electrónicos esquivos que ele vai propondo.

Também as vias mais exploratórias do rock, em combinação com electrónicas, continuam a ter muitos activistas. É o caso dos dinamarqueses Liima, formados a partir de ex-membros dos Efterklang, capazes de expor uma sonoridade que coloca um grande acento em movimentos electrónicos improvisados e dançantes, evocado algumas fases dos Animal Collective ou Panda Bear, não espantando que já tenham chegado aos ouvidos da editora 4AD, que irá lançar nos próximos meses o seu álbum de estreia. As linhas que nos últimos anos têm levado o metal a cruzar-se com o pós-rock também tiveram representantes, com os belgas Briqueville, de mascararas douradas envergadas, a transformarem o seu concerto numa experiência quase mística de ruído, poder e guitarras ao alto.

Dos projectos da Europa do Leste que vimos destaque para a pop electrónica percussiva dos polacos Bokka, que actuam mascarados, ou para a sonoridade circular e encantatória de Maarja Nuut, cantora e violinista da Estónia, que se apresentou sozinha em palco, combinando canções folk tradicionais com sons e efeitos electrónicos.

No próximo ano será a vez de Portugal estar em destaque. É quase unânime: talento, entre grupos e artistas, não falta. Da mesma forma existem algumas estruturas e profissionais competentes. Falta potenciar, interligar e comunicar o que existe para que o resto da Europa olhe para Portugal como sendo um mercado com potencial.

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