Vilar de Mouros voltou, o público não

Festival renasceu após oito anos de ausência, mas apesar do cariz social o ambiente foi morno.

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Miguel Guedes, vocalista dos Blind Zero Miguel Nogueira
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Vilar de Mouros Miguel Nogueira
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O campismo em Vilar de Mouros Miguel Nogueira
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Vilar de Mouros Miguel Nogueira

Longe vão os tempos de início do século, em que Vilar de Mouros, Paredes de Coura e Sudoeste formavam o trio dos grandes festivais de música em Portugal. Os eventos foram-se multiplicando e, hoje em dia, os maiores são citadinos.

Mas não foi a distância em relação aos grandes centros o principal factor para que apenas 3000 pessoas (numa estimativa optimista) tivessem estado de quinta para sexta-feira no recinto da aldeia minhota. A organização – levada a cabo pela Fundação AMA Autismo, a primeira instituição particular de solidariedade social a fazê-lo em Portugal – apenas anunciou o cartaz há cerca de um mês e faltou um grande nome para arrastar as massas.

No dia um da quarta reencarnação de Vilar de Mouros – depois da estreia, em 1971, o festival foi recuperado em 1982, 1996 e de 1999 a 2006 –, as principais atenções recaíam sobre os veteranos UB40 (ou o que deles resta, incluindo o vocalista Ali Campbell), mas a linguagem principal das restantes bandas do palco principal não era o reggae, mas sim o rock. O recinto foi-se compondo lentamente até ao início da actuação dos britânicos, pouco passava das 00h30, só que ainda assim as expectativas da organização foram frustradas.

Não seriam mais do que 30 os festivaleiros que se espalhavam na relva em frente ao palco secundário, por volta das 18h, enquanto os Youth Culture Soundsystem prestavam homenagem a clássicos do reggae. Entre eles, estavam alguns curiosos oriundos de Vilar de Mouros, até porque os cerca de 1000 habitantes têm direito a entrada livre. “Com a ausência sente-se a falta. Nas reuniões da assembleia de freguesia, ao longo dos últimos oito anos, perguntava-se sempre quando é que o festival ia voltar. Isto é um orgulho, anima a povoação e beneficia alguns com trabalho temporário, mas é efémero”, comentou ao PÚBLICO Fernando Zamith, professor universitário, ex-jornalista e autor de Vilar de Mouros – 35 Anos de Festivais.

O impacto desse interregno foi notório, apesar de Vilar de Mouros manter a aura de ter sido o primeiro festival, o chamado Woodstock português. Os primeiros a referir esse lado mítico foram os Capitão Fausto, a banda mais jovem num dia de veteranos. O seu rock orelhudo e divertido, baseado em riffs incisivos, entreteve na medida do possível, em frente a umas 200 pessoas. O pop-rock com sotaque do Norte dos Trabalhadores do Comércio não despertou grandes reacções, nem mesmo com a recuperação do sucesso Chamem a polícia ou a ajuda da vocalista Marta Ren.

O ano zero
Os Blind Zero foram os primeiros a abanar um pouco a assistência. Jogando ao ataque, com algumas das suas canções mais imediatas, a banda que celebra 20 anos de carreira em 2014 arrancou com Shine on, passou pelas velhinhas Recognize ou Tree e ainda recuperou Tainted Love, popularizada pelos Soft Cell. Em conversa com o PÚBLICO, o vocalista Miguel Guedes recordou a passagem “feliz” pelo festival, em 2001, falando num “novo início”. “Foi um hiato muito grande. É pena que que esteja pouco público, mas Vilar de Mouros merece mais do que um recomeço pífio. Sabemos que este é o ano zero”, afirmou.

Ao longo da noite, Marco Reis, director da Fundação AMA Autismo e do festival, fazia piscinas entre vários espaços do recinto e verdadeiras maratonas ao telemóvel. Foi visível que a máquina ainda não está oleada, mas o responsável tem como principal objectivo reunir, ao longo de quatro edições, verbas que ajudem à construção de um edifício multifuncional para pessoas com autismo, orçado em 3,5 milhões de euros.

"Temos desenvolvido um lado empresarial dentro da instituição que visa o auto-financiamento. Os protocolos com o Estado não chegam”, confessou. A ideia de fazer renascer Vilar de Mouros foi uma “maluqueira” que surgiu num piquenique realizado no local e Marco Reis reconheceu que o processo foi “complexo”, mas pôr a estrutura de pé já foi uma vitória. “Há um ano toda a gente se riu, mas o festival está cá, mesmo que falte alguma gente. Sem o apoio de grandes marcas, este foi o cartaz possível, mas que dignifica e mantém o ADN do festival”.

O propósito era juntar várias faixas etárias, mas o resultado foi um público indefinido. O combustível de um festival desta natureza tem de passar pelos mais jovens e estes não serão certamente atraídos por bandas como La Unión. O grupo madrileno, formado em 1984, pareceu sempre, na melhor das hipóteses, saído directamente de meados dos anos 1990. Lobo hombre en París, numa versão mais electrónica, foi o momento mais aplaudido de um espectáculo com uma piscadela de olhos ao disco (Tren de largo recorrido), baladas melosas e algumas sugestões de rock progressivo, complementadas por animações tridimensionais que só reforçaram o lado kitsch do concerto.

Os UB40 eram claramente a banda mais aguardada da noite e cumpriram as expectativas. Não lhes era pedido que inventassem a roda, mas apenas que protagonizassem um concerto escorreito. A secção de metais mostrou-se capaz de animar qualquer festa, a voz de Ali Campbell transportou muitos casais para os anos 1980 e não faltaram os clássicos como Here I am e Red red wine. A AMA Autismo espera que a noite desta sexta-feira – com José Cid, The Stranglers e Pedro Abrunhosa – seja mais concorrida e, no fecho do festival, sábado, actuam The Legendary Tiger Man, Deolinda, Xutos & Pontapés, Tricky e Guano Apes.

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