Viagens entre Paris e Lisboa: Sarah Bernhardt ou a emigração portuguesa

Entre 11 de Maio e 4 de Junho, Portugal volta a ter uma forte representação no Chantiers d’Europe, programa do Théâtre de la Ville dedicado às artes performativas. Pela primeira vez, com co-produções de espectáculos de Miguel Loureiro, Joana Craveiro e Teatro Praga.

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Joana Craveiro estreará em Paris uma nova versão de Museu Vivo das Memórias Pequenas e Esquecidas, um dos dez melhores espectáculos de teatro para o PÚBLICO em 2014 João Tuna

Há três anos, na conferência de imprensa de apresentação da primeira presença portuguesa na programação do Chantiers d’Europe, o director do Théâtre de la Ville, Emmanuel Demarcy-Mota, foi confrontado com a questão do possível carácter episódico desse momento em que Portugal surgia como país convidado. Poderia o foco estar a virar-se momentaneamente para a criação artística portuguesa e apagar-se logo em seguida? Esta quinta-feira, na apresentação da sétima edição do evento parisiense (a quarta com artistas nacionais) na Câmara Municipal de Lisboa, Demarcy-Mota referiu-se precisamente à importância desta edição enquanto “resultado do acompanhamento”, destacando a continuidade desta montra de apresentação de países pouco habituais nos palcos franceses como um dos vectores fundamentais do Chantiers d’Europe. Ascendem a quarenta os projectos até agora apresentados, tendo, nalguns casos, impulsionado uma presença mais frequente em França ou possibilitado a descoberta por outros programadores internacionais.

Em 2016, parte de um programa que se estende entre 11 de Maio e 4 de Junho, e em que se incluem ainda espectáculos provenientes de Suécia, Polónia, Grécia e Itália, a comitiva portuguesa será composta por José Manuel Neto, Camané e Cristina Branco (protagonistas de um concerto pensado também para chegar à numerosa comunidade portuguesa), Miguel Loureiro, Joana Craveiro / Teatro do Vestido, Clara Andermatt, Miguel Fragata e Inês Barahona, Teatro Praga e Ricardo Cabaça, divididos entre música, teatro, dança e literatura.

Lugar a estreias

Com esta edição, no entanto, o Chantiers d’Europe na sua parceria com a Câmara de Lisboa deixa de ser apenas uma montra e plataforma de internacionalização das artes performativas portuguesas, passando a acolher co-produções entre o Théâtre de la Ville e o Teatro São Luiz, e estreando, assim, dois espectáculos que integrarão depois a temporada 2016/17 da sala lisboeta. A Miguel Loureiro foi pedido que criasse um novo texto em torno da figura da actriz francesa Sarah Bernhardt, cujo título Paris > Sarah > Lisboa denuncia já uma viagem entre as duas cidades. Cabe-lhe a honra de espectáculo de abertura do Chantiers, entre 11 e 14 de Maio. A 18 e 19, Loureiro apresentará ainda Do Natural, espectáculo em que se debruça sobre a obra de W.G. Sebald.

Joana Craveiro estreará em Paris uma nova versão de Museu Vivo das Memórias Pequenas e Esquecidas, um dos dez melhores espectáculos de teatro para o PÚBLICO em 2014 e vencedor do Prémio do Público do Festival de Almada em 2015, em que a artista aborda a transmissão da memória relativa aos períodos de ditadura e do PREC, recorrendo a uma aturada recolha de testemunhos que reclamam uma História emocional e afectiva, saltando por cima da frieza dos factos. Após um trabalho de proximidade desenvolvido junto de várias gerações de comunidade portuguesa em França, este conjunto de palestras aparecerá agora acrescido dos relatos da emigração. Museu Vivo... terá dois formatos distintos em França: uma versão reduzida pensada para o público escolar de zonas com forte implantação portuguesa; uma versão longa para o público geral.

O Théâtre de la Ville é também parceiro com o São Luiz e o Festival de Teatro de Istambul (IKSV) da nova criação do Teatro Praga, Zululuzu, apresentada no Théâtre des Abbesses após a estreia em Istambul, e em que a companhia portuguesa se atira de cabeça para o universo de Fernando Pessoa, em particular a infância do escritor passada em Durban, na África do Sul. Em cena entre 31 de Maio e 4 de Junho.

Referindo-se ao nascimento do Chantiers d’Europe numa altura de ascensão da extrema-direita em França, Demarcy-Mota falou da intenção de trabalhar para “apagar as fronteiras” e proporcionar debates através da arte com, por exemplo, criadores da Polónia e da Hungria (países com semelhantes situações de subidas galopantes desses partidos extremistas), antecipando que a edição do próximo ano – quando os franceses forem a votos para as Presidenciais e, presumivelmente, a Frente Nacional poder vir a disputar a segunda volta – acontecerá com este inevitável pano de fundo. “Em França temos três palavras: liberdade, igualdade e fraternidade”, lembrou. “E esta última anda muitas vezes esquecida.” Da mesma maneira que “a arte e a cultura não esperaram a construção do espaço europeu para fazer circular obras e artistas”, também agora o director do Chantiers d’Europe espera que por aqui possa também passar um contributo para pensar a redefinição dos valores humanistas europeus.

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