Vhils em Hong Kong: a cidade dos extremos vai ser a sua segunda casa

A nova aventura do artista português chama-se Debris, uma interrogação sobre os modelos globais de desenvolvimento das cidades, com caixas de néon, vídeos e colagens. A circulação pelo mundo virá a seguir.

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Jose Pando Lucas
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Desde o final de 2014 que Alexandre Farto, mais conhecido por Vhils, preparava a exposição individual Debris, que inaugurou esta segunda-feira em Hong Kong. Ao longo desse tempo passou largos períodos na cidade, num desafio da Fundação de Arte Contemporânea de Hong Kong (HOCA), tendo ali montado um estúdio para que ele e colaboradores pudessem operar. Mas mesmo assim os últimos dias foram alucinantes.

Noites mal dormidas para ultimar pormenores e alguma ansiedade pelo facto de a enorme estrutura semi-descoberta que acolhe a exposição, disposta no topo do Cais 4 da Estação de Barcos da cidade só ter sido ultimada muito em cima da inauguração. Para agravar a situação, trovejava à hora marcada. Mas os convidados, entre portugueses, cidadãos locais e gente do universo da arte da Ásia, da Europa e dos EUA – alguns vindos propositadamente para a exposição de Vhils, outros na cidade por causa da Art Basel de Hong Kong, que tem início esta quinta-feira –, não pareceram muito incomodados, deambulando pelas várias salas do espaço, atravessadas por um corredor comprido com dois vídeos de ecrã gigante a ladeá-lo, para experienciar cerca de 50 peças de diferentes materiais.

Desde a exposição Dissecção (2014), no Museu da Electricidade, em Lisboa, que viria a tornar-se um grande êxito de visitantes, que um dos mais conhecidos artistas portugueses da actualidade não tem parado, mas esta exposição, com curadoria de Lauren Every-Wortman da Fundação HOCA, é especial. “Foi a exposição fora de Portugal que me levou mais tempo a desenvolver”, haverá de dizer-nos. “Precisei de tempo para tentar captar as energias e as dinâmicas de Hong Kong, reflectindo ao mesmo tempo sobre o impacto que os modelos de desenvolvimento globais têm sobre a urbe, a cultura, a identidade, as pessoas e o próprio espaço urbano.”

É um território de extremos, Hong Kong, de grande concentração urbana, mas onde a natureza também irrompe de forma vibrante, numa mistura de signos arcaicos e radicalmente contemporâneos. “É uma cidade com um grande frenesim, e é por isso que quando entramos na exposição e deparamos com um túnel com imagens de Hong Kong optei pela câmara lenta. Quis que o vídeo funcionasse como inversão desse frenesim – a possibilidade de desacelerar e de olhar para a beleza do quotidiano.”

Na forma como interroga a cidade, a partir das dinâmicas locais e globais, ou a partir do jogo que se estabelece entre o espaço urbano e quem o habita, existem linhas de continuidade em relação ao que havia apresentado no Museu da Electricidade. Mas existem também, claro, diferenças assinaláveis, algumas delas motivadas até pelo facto de Vhils estar agora a operar num território onde o excesso de comunicação visual é patente. “Essa foi uma das razões que me levou a aceitar este desafio da HOCA”, acabará por confessar. “Queria expor-me a esses estímulos extremos que esta urbe transporta consigo. Todos os contrastes aqui são extremos – o urbano e a natureza, o velho e o novo – e existe uma cacofonia visual única. Ao mesmo tempo é interessante pensar o que é a decadência numa cidade que está sempre a recompor-se e como é que as pessoas se relacionam com todas essas dimensões.”

Visível/ invisível
Na preparação do projecto Debris, foram entrevistadas cerca de 40 pessoas, processo que permitiu a Vhils constatar fricções ou pontos em branco, muitos deles decorrentes da passagem do território a região administrativa especial da China. Para o visitante incauto, algumas dessas dimensões poderão até não ser óbvias. Mas elas estão lá. Até na sua forma de operar existe essa ideia de tornar visível o que parece invisível.

Por vezes retira camadas. Outras vezes adiciona. Até nas técnicas que Vhils utiliza existe essa preocupação de visibilidade, desconstruindo imagens com recurso a colagens de cartazes, perfuração, caixas de néon ou esculturas. A técnica que o tornou conhecido no mundo consiste em criar imagens em paredes ou murais através da remoção de camadas de construção, mas nesta exposição são alguma das peças com recurso a vídeo e néons que se destacam mais. “A utilização dos néons resulta de um fascínio antigo do imaginário cinematográfico, por exemplo em relação a filmes de Wong Kar-Wai dos anos 1990 com Hong-Kong em fundo.  Aqui tentei recontextualizar signos visuais da rua, transformando-os no espaço expositivo, questionando o seu impacto nas pessoas.”

A exposição de Hong Kong não será um acto isolado. Nos últimos dez anos, a actividade de Vhils globalizou-se por completo, havendo até uma espécie de mapa na exposição que aponta para as muitas cidades onde tem criado, seja em intervenções de arte pública ou em exposições, embora a sua base continue a ser Portugal. Não deixará de o ser, até porque tem novo estúdio na zona industrial do Barreiro, mas Hong Kong vai passar a ser a sua segunda casa.

“Sinto-me confortável em Hong Kong, existem aqui muitos projectos e a ideia agora é explorar outras coisas a partir daqui.” Para já a exposição do Cais 4 vai continuar aberta ao público até ao final de Abril. Paralelamente, na rua, também é possível desfrutar também de algumas intervenções urbanas suas, nomeadamente dois murais em zonas reconvertidas e um eléctrico recriado que circula pela cidade, em acções também a convite da HOCA. 

Mas a exposição deverá tornar-se itinerante nos próximos tempos, havendo já interesse de espaços expositivos na Ásia, nos Estados Unidos e na Europa para a receber. “A ideia é ela circular por alguma cidades, adaptando a exposição às mesmas, confrontando como sempre histórias, camadas, memórias e pessoas, e reflectir sobre isso.”

Na noite da inauguração ainda houve tempo para uma festa, com a música de Branko (Buraka Som Sistema) a fazer dançar Alexandre e toda a equipa que o ajudou a montar uma exposição que envolveu muita pressão. “As inaugurações deixam-me sempre desconfortável”, dirá, “mas ao mesmo tempo respeito muito o interesse da pessoas, que me dá alento, além de ter ter consciência de que são etapas para que o meu trabalho possa crescer e ter impacto”. Em Hong Kong, cumpriu-se mais uma dessas etapas. 

O PÚBLICO viajou a convite da Fundação HOCA

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