Vêm aí os russos

A Orquestra Sinfónica do Porto abre esta sexta-feira o Ano Rússia na Casa da Música, tocando Schnittke e Stravinski. A orquestra tem sete músicos russos, praticamente todos integrados na vida portuense, mas a Mãe Rússia está sempre presente.

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Da esquerda para a direita: Vladimir Grinman, Ianina Khmelik, Tatiana Afanasieva, Vasily Suprunov,Maria Kagan e Vadim Feldblioum Nelson Garrido

Começa hoje oficialmente o Ano Rússia na Casa da Música, com um concerto pela Orquestra Sinfónica do Porto (OSPCM) a tocar A Sagração da Primavera, de Stravinsky, e a abrir a retrospectiva que ao longo do ano será dedicada a Alfred Schnittke (1934-1998) com a execução do Concerto nº. 4 para violino e orquestra (com a solista alemã Viviane Hagner).

Não será, no entanto, caso para gritar “Vêm aí os russos” – como na comédia realizada pelo canadiano Norman Jewison, em 1966. A música russa tem estado presente na programação da Casa logo desde o dia da inauguração oficial, a 15 de Abril de 2005, quando a então Orquestra Nacional do Porto incluiu no programa Romeu e Julieta, de Tchaikovski. E os instrumentistas russos já marcavam presença relevante naquela formação antes de ela assumir a actual dimensão sinfónica.

Actualmente a OSPCM tem sete músicos russos, sendo esta a comunidade nacional mais numerosa logo a seguir à dos portugueses. E, ainda que pondo a tónica no facto de uma orquestra, mais ainda uma sinfónica, ser sempre “uma mistura e uma comunidade de muitas culturas”, o maestro titular da Sinfónica do Porto, Baldur Brönnimann, considera que ela "tem uma influência russa na sua maneira de tocar”.

Os sete russos da OSPCM são, por ordem de chegada à formação, Vladimir Grinman (violino), Feodor Kolpashnikov (violoncelo), Tatiana Afanasieva (violino), Vadim Feldblioum (violino), Ianina Khmelik (violino), Vasily Suprunov (fagote) e Maria Kagan (violino). A maioria é originária de Moscovo, fala português e adquiriu já a dupla nacionalidade. E, como se pode verificar, são quase todos instrumentistas de cordas. Será por aqui que se explicará, de resto, a tal importância numa certa definição do som da orquestra. “A Rússia tem uma grande escola de cordas, com uma grande preponderância a nível internacional”, nota Alexandre Santos, o coordenador da OSPCM, realçando que essa marca torna-se ainda mais evidente na execução das obras dos grandes nomes do período romântico.

Não foi fácil reunir os músicos russos, ao longo desta semana, nos intervalos dos ensaios para o concerto de abertura do seu ano. Um deles, Feodor Kolpashnikov, não esteve mesmo disponível para a fotografia de grupo para o PÚBLICO, nem para fornecer a sua biografia. Outros evitaram falar: ou por indisponibilidade de tempo, ou porque sim.

O que é que isto nos diz da chamada "alma russa"? “Nada de especial; os músicos russos estão perfeitamente integrados no Porto e na orquestra, não existe propriamente uma característica distintiva como comunidade; as diferenças são de personalidades”, diz Alexandre Santos.

O maestro Baldur Brönnimann diz que “os músicos russos têm sobretudo uma grande proximidade com a sua própria música, sempre muito ligada à história do país, mas que não se trata de algo apenas técnico ou simplesmente histórico – é algo que eles sentem e vivem”.

 

De Moscovo para o Porto

Ianina Khmelik será a instrumentista que chegou mais jovem ao Porto, onde, em 1999, com apenas 15 anos, veio completar a formação musical na Escola Superior de Música, Artes e Espectáculo (ESMAE), depois de estudos iniciais no violino na sua cidade natal, Moscovo. Tem uma filha já nascida na cidade, que diz ser “uma portista fanática”. “Sinto-me já portuguesa, também. Quando vim, pensei em Lisboa, que tem uma oferta muito grande, mas a Casa da Música veio abrir uma situação nova no Porto, e eu optei por esta cidade. E foi muito bom sentir-me parte destes acontecimentos todos”, diz Ianina, que passou já por diferentes formações da Casa: a Orquestra Barroca, o Remix e agora a Sinfónica.

Sobre a relação com o seu país, onde regressa todos os anos, Ianina diz não querer fazer considerações políticas – um cuidado manifestado pelos outros dois músicos com quem o PÚBLICO falou. Mas lembra que a razão que a levou a sair de Moscovo foi “a instabilidade política” e a ausência de perspectivas musicais profissionais. “Na altura, a vida cultural em Moscovo não era nada confortável, e houve muitas pessoas que quiseram sair; eu fui uma delas”.

Mas a “alma russa” mantém-se. “Nós aparentamos uma frieza ao primeiro olhar, mas depois, se gostamos das pessoas ou daquilo que fazemos, damos todo o nosso amor”, diz, dando como exemplo dessa grandeza a música de compositores como Tchaikovski, Stravinski ou Chostakovitch.

No Porto, além de violinista na OSPCM, Ianina Khmelik tem vindo a participar em inúmeros outros projectos: integra o grupo As 3 Marias, toca regularmente com bandas pop, como os GNR, Gift ou Mesa, e associou-se às faculdades de Medicina Dentária e Engenharia da Universidade do Porto no desenvolvimento do projecto Inside Music Machine, que permite visualizar numa espécie de radiografia a reacção muscular de um artista durante a sua performance musical. “É a felicidade total” poder conciliar estes múltiplos projectos com o trabalho na orquestra", diz.

Maria Kagan veio ao Porto, em 2004, participar num concurso público para novos músicos para a Sinfónica. Trazia consigo uma marcante herança familiar: é filha da grande violoncelista Natalia Gutman, discípula de Rostropovich e que tocou com Sviatoslav Richter, e do violinista Oleg Kagan, também parceiro do grande pianista russo. “Escolhi o violino porque tinha em casa o exemplo maravilhoso do meu pai”, justifica. Foi escolhida, e ficou a “adorar” o Porto e Portugal, principalmente depois de ter conseguido “dominar a língua”.

Maria Kagan está a viver com grande emoção a chegada do Ano Rússia à Casa da Música. “É a música que corresponde à nossa alma, e vamos dar o nosso melhor para fazer o público português senti-la, também”, promete a violinista, que viveu e estudou sete anos na Alemanha antes de ter escolhido o Porto. Mas mantém uma relação próxima com o seu país, aonde todos os anos regressa para tocar música de câmara, com músicos muito diferentes. Só lamenta “o fechamento” actual da sociedade russa, depois do “bocadinho de mais liberdade” que se viveu na década anterior.

Já Vasily Suprunov, fagotista que entrou no Orquestra do Porto em 2003, também depois de ter concorrido a uma audição, diz ser difícil pronunciar-se sobre a situação actual do seu país. “Temos uma informação na Europa, mas, da Rússia, chegam-me notícias diferentes”, diz, considerando que, “cá, muita gente não sabe o que verdadeiramente se passa lá”.

Para Suprunov, é mais fácil falar da música do seu país: “É a música do nosso coração, e este ano, para nós, vai ser fabuloso”, diz, acrescentando ter como compositores preferidos "Prokofieff, Chostakovitch, Rimsky-Korsakov, enfim, quase todos”.

Depois de Schnittke e Stravinski, esta sexta-feira à noite – e “A Sagração da Primavera é a obra russa por excelência, que definiu todo um estilo de música no país”, nota o maestro Baldur Brönnimann –, a abertura do Ano Rússia prossegue no fim-de-semana: sábado, o Remix Ensemble e o Coro regressam aos mesmos compositores; domingo, o Coro vai cantar aquela que é apresentada como uma das maiores obras-primas da história da música russa, as Vésperas, de Sergei Rachmaninoff.

 

Os sete músicos russos da Orquestra Sinfónica do Porto

Vladimir Grinman

(n. S. Petersburgo)

Violino; entrou na Orquestra do Porto em 1996

Feodor Kolpashnikov

(n. Moscovo, 1977)

Violoncelo; entrou na Orquestra do Porto em 2000

Tatiana Afanasieva

(n. Moscovo)

Violino; entrou na Orquestra do Porto em 2001

Vadim Feldblioum

(n. S. Petersburgo, 1961)

Violino; entrou na Orquestra do Porto em 2001

Ianina Khmelik

(n. Moscovo)

Violino; entrou na Orquestra Barroca em 2002

Vasily Suprunov

(n. Armavir, 1976)

Fagote; entrou na Orquestra do Porto em 2003

Maria Kagan

(n. Moscovo)

Violino; entrou na Orquestra do Porto em 2004

 

Notícia actualizada com a correcção do nome do músico que não compareceu para a fotografia de grupo para o PÚBLICO, que foi Feodor Kolpashnikov e não Vladimir Grinman.

 

 

 

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