Uma dose terapêutica de teatro

Entre 4 e 18 de Julho, 29 espectáculos fazem do Teatro de Almada o lugar certo para questionar e reflectir sobre este mundo e este continente em que nos encontramos metidos. De Shakespeare e Gil Vicente a novíssimos criadores mundiais.

Foto
Maguy Marin traz uma coreografia de 1981, May B, baseada no universo de Samuel Beckett DGRAPPE

“Esta casa parece a sala de estar da Hedda Gabler”, comentou a actriz e encenadora norueguesa Juni Dahr ao ser levada à Casa da Cerca, em 2013, num momento em que apresentava no Festival de Almada o espectáculo Mulheres de Ibsen, Engaiolar Uma Águia. Foi então que começou a construir-se a ideia de Dahr poder enfiar-se na pele de Hedda Gabler nesse mesmo espaço, fazendo do clássico de Ibsen o espectáculo de abertura da programação de teatro do Festival de Almada (na véspera, o arranque oficial fica por conta da Orquestra Gulbenkian). Hedda Gabler, por respeitar este encontro com a Casa da Cerca, será apresentada num registo íntimo, para um máximo de 60 espectadores por sessão, a 5 e 6 de Julho.

Nesse mesmo dia 5, Almada recebe um Pílades, de Pasolini, numa encenação de Ivica Buljan para a companhia norte-americana La Mama Experimental Theatre Club, e Nao d’Amores, a primeira de duas estreias da Companhia de Teatro de Almada (CTA) no festival que organiza desde 1984. O texto de Gil Vicente será dirigido pela espanhola Ana Zamora, entrando a CTA novamente em palco com a parábola cáustica O Feio, de Marius von Mayenburg, encenada por Toni Cafiero. São dois exemplos de uma presença portuguesa em que incluem duas visitas a Shakespeare (Cimbelino, por António Pires, Ricardo III, por Tónan Quito), uma peça do Teatro da Garagem centrada na figura da pintora Graça Morais (autora do cartaz deste ano do festival), um monólogo de João Samões, a partir de Cossery, para a actriz Joana Bárcia, e a estreia de A Lição, de Ionesco, numa encenação de Miguel Seabra para o Teatro Meridional.

Foto
Susn Arno Declair

E por falar em Ionesco, o homenageado deste Festival de Almada no programa o Sentido dos Mestres, o encenador Ricardo Pais, teve na sua versão de A Lição (renomeada As Lições) um dos espectáculos mais marcantes do seu longo historial, esse que aqui lhe é pedido que convoque nas três palestras que resolveu baptizar como “três encontros terapêuticos”.

Depois de Argentina e Espanha, desta vez a atenção de Almada vira-se para o Novíssimo Teatro Italiano, com a apresentação de cinco espectáculos de outras tantas companhias que ajudam a esboçar um retrato das linguagens que tomam hoje conta dos palcos em Itália. O teatro argentino volta a ter uma importante representação, enquanto exemplo de criatividade que contorna a escassez de meios, com peças de Rubén Sabadini e Juan Mako.

É do centro da Europa, no entanto, que chegam os nomes mais sonantes desta edição. Enquanto Margane Choupay se atirará ao universo lynchiano em Housewife, Joël Pommerat – que esteve pela última vez em Almada com A Reunificação das Duas Coreias – regressa com um olhar peculiar sobre Pinóquio e a coreógrafa fundamental Maguy Marin traz uma coreografia de 1981, May B, baseada no universo de Samuel Beckett. Da Alemanha chega o prato forte: o confronto oficioso entre duas linguagens teatrais validadas pela berlinense Schaubühne. De um lado, a assunção do pós-dramático por Falk Richter em Città del Vaticano; do outro, um teatro que privilegia o texto nas abordagens de Thomas Ostermeier a obras de Tchékhov (A Gaivota) e de Achternbusch (Susn).

Sugerir correcção
Comentar