Um solo para Inês Jacques se descobrir no escuro

A bailarina e coreógrafa regressa aos palcos com uma peça em que tenta contrariar o excesso de informação.

Foto
Excesso de Luz Cega Lais Pereira

Há já algum tempo que a bailarina e coreógrafa Inês Jacques andava afastada de palcos de maior exposição. Nos últimos três anos, dedicou-se à investigação de técnicas mais relacionadas com a saúde do corpo em movimento, mais do que a trabalhos de criação coreográfica. “Estive a estudar outras técnicas que são mais próximas da fisioterapia do que da dança”, resume ao PÚBLICO. Embora não seja possível estabelecer uma correspondência directa, Inês admite que o peso da influência no seu movimento desse estudo específico neste período na construção de Excesso de Luz Cega não será muito diferente daquele que teria o trabalho com um qualquer coreógrafo caso tivessem passado esse intervalo a trabalhar juntos. “Há muitas posições ou movimentos que faço que vêm deste vocabulário que tenho habitado recentemente”, diz.

Foi durante este afastamento em que se dedicou a outras possibilidades de trabalho sobre o corpo que Inês Jacques foi pensando e alimentando a ideia de criar um solo – em cena desta quarta-feira a sábado, no Negócio, em Lisboa – no qual pudesse colocar tudo aquilo que lhe era essencial. “E acabou por evoluir para algo [que trata] daquilo que sou e como é que estou”, conta. “Foi daí que surgiu a ideia de trabalhar no escuro, no sentido de procurar um foco mais atento da parte do espectador ou de desafiar a sua observação. E assim me sublinhar como pessoa, num modo mais low-profile ou menos híper-expositivo.”

Ou seja, a partir de várias leituras sobre a escuridão, a noite e os seus efeitos sobre a visão e a percepção, Inês foi construindo uma partitura coreográfica que se desenvolve, em parte, na penumbra. Sem se dedicar propriamente a uma “investigação científica do movimento nesse universo”, explora uma vida que “não nos está tão acessível”, inspirando-se, entre outras coisas, no mundo animal. Longe da claridade, o espectador é colocado num lugar da intuição, entrevendo movimentos mas deixado também numa posição de os adivinhar. Há nisto um propósito de estimulação da imaginação que Inês quer desencadear como contrapeso ao excesso de informação que povoa os nossos dias. “Na verdade, já vivo um pouco assim”, admite. “Deixo passar um tempo para ver o que resiste e o que fica de toda a informação dos anos anteriores.”

A forma como o corpo de Inês Jacques se move entre a luz e a escuridão faz-se também valer de uma velocidade em desaceleração. Os gestos são lentos, abrandam o ritmo quotidiano, a fim de “poder dar tempo para haver uma certa leitura”. Excesso de Luz Cega apresenta o movimento como algo enigmático, inspira-se por vezes em “criaturas que podem crescer, desenvolver-se ou encolher-se”, parece testar os limites físicos do espaço ou ecoar uma ideia de gestação, mas recusa sempre a escuridão como lugar de medo. Pelo contrário, aqui o escuro é “um sítio rico”, um lugar para descobrir e conquistar, para avançar mesmo que de forma hesitante num caminho de descoberta. Se a luz pode mostrar demasiado, Inês Jacques quer antes pensar no muito que, por se encontrar oculto, falta descobrir.

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