Um festival para a dança "mais subterrânea"

A primeira edição do Festival Cumplicidades cumpre-se de 4 a 19 de Março, com o olhar virado na direcção do Mediterrâneo.

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O Céu É Apenas Um Disfarce Azul do Inferno, de Joana von Mayer Trindade e Hugo Calhim Cristóvão SILVANA TORRINHA
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Contessa, da marroquina Meryem Jazouli YORIYAS YASSINE ALAONI
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You're Not a Fish After All, do turco Mihran Tomasyan SEHNEDE BENLI

Agora sim, o Cumplicidades – Festival Internacional de Dança Contemporânea de Lisboa arranca. Não tanto pelo orçamento ligeiramente insuflado (que tem), não tanto pelo número de espectáculos (que não se alterou), não tanto por uma revolução nas orientações da programação (que não existe). Mas porque em 2016, e após a edição zero, ou experimental, de há um ano, se contrariam as duas “falhas” para a sua concretização plena: há três espectáculos vindos do exterior e as duas co-produções que a organização entende como mínimo exigível

Ou seja, agora sim este evento criado por Francisco Camacho e a EIRA para devolver a Lisboa um festival de dança contemporânea, para proporcionar um encontro da comunidade da dança portuguesa – sobretudo “depois da crise e da austeridade que fragilizaram muito este sector”, justificou o coreógrafo na apresentação do Cumplicidades à imprensa – e para colocar o foco especificamente na dança e não tanto nos seus cruzamentos multidisciplinares pode afirmar-se por inteiro. Assim será entre 4 e 19 de Março, numa dezena de espaços lisboetas.

A partir desta edição, o Cumplicidades passa à prevista periodicidade bienal e a rodar o programador convidado. Em 2016, Ezequiel Santos, psicólogo e investigador, repete o lugar da edição zero a fim de poder beneficiar das novas condições do festival – perspectivando-se desde já a possibilidade de o espanhol Abraham Hurtado, performer e director artístico do colectivo AADK Spain, presente na conferência internacional promovida pelo Cumplicidades, possa vir a suceder a Santos. A conferência, a ter lugar em duas datas distintas (7 e 14 de Março, no Teatro São Luiz), dividir-se-á nas temáticas da Cumplicidade na Dança (contando com Gesa Ziemer, directora do City Science Lab da HafenCity University, Alemanha) e das Latitudes em Movimento (três painéis que indagarão sobre a potencial criação de uma rede internacional, processos de criação e possibilidades de financiamento para a dança).

Latitudes em Movimento é, aliás, o mote genérico para esta edição do Cumplicidades, que abre o seu primeiro foco de programação internacional na direcção do Mediterrâneo, com a estreia nacional de obras de coreógrafos oriundos de Marrocos, do Egipto e da Turquia. Assumindo que “há uma preocupação política” nestas escolhas, Francisco Camacho sublinhou que “não é uma bandeira a ser agitada”. Mas a atenção dada às criações da egípcia Karima Mansou (Who Said Anything About Dance!?, 11 e 12 de Março, Espaço Alkantara), do turco Mihran Tomasyan (You’re Not a Fish After All, 15 e 16, Rua das Gaivotas 6) e da marroquina Meryem Jazouli (Contessa, 18 e 19, Rua das Gaivotas 6) pretende “fazer desvios no modo de olhar para o outro, desmistificar o outro”, acções que o coreógrafo e bailarino entende estarem naturalmente inscritas na linguagem da dança. As propostas de Mansou e Jazouli, realça Ezequiel Santos, centram-se “no seu corpo e na história e na cultura que transportam consigo”.

Numa lógica de conferir visibilidade a “abordagens mais subterrâneas e mais inquietas”, o Cumplicidades apresenta duas co-produções: o espectáculo de abertura O Céu É Apenas Um Disfarce Azul do Inferno, de Joana von Mayer Trindade e Hugo Calhim Cristóvão (4, 5 e 6 de Março, Espaço Alkantara) e a reflexão sobre a construção do mito Os Mal Sentidos, de Andresa Soares e Matthieu Ehrlacher (9, 10 e 11, Negócio). O programa inclui ainda peças de Maurícia Neves, Joclécio Azevedo, Vânia Rovisco, Flávio Rodrigues e Bruno Humberto, e o ciclo de palestras O Meu Processo, em que Joclécio Azevedo, Rafael Alvarez e Vânia Rovisco partilharão os seus métodos de criação.

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