Um convite para subir ao palco

First Songs é uma reedição de que ilumina a música exuberante de um grupo de amigas.

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Percurso incandescente: uma notável colectânea, First Songs

Revela Marlene Marder numa entrevista para webzine Perfect Sound Forever que os rapazes não queriam fazer música com ela e as amigas. Motivo? Consideravam-nas pouco ambiciosas. Nada que as incomodasse. As raparigas sentiam-se confiantes e felizes (era o punk!) e continuaram a tocar. Primeiro para os amigos, ao fim de um ano, para John Peel, as Raincoats e os Red Crayola, entre outras personalidades da cena pós-punk londrina. Percurso incandescente e exuberante, o das KleenexLiLiPUT, agora recordado na notável e imprescindível colectânea First Songs.

Conte-se rapidamente a história. As Kleenex nasceram em Zurique, no ano de 1978, sob a iniciativa de Marlene Marder. Depois de perceber que o guitarrista parceiro das suas amigas (Klaudia Schifferle e Lislot Hat) não desejava continuar na banda, saltou para o palco e substitui-o. Depois, seria a vez de Regula Sing, outra amiga, ocupar o lugar que restava, na condição de vocalista. Desses tempos inaugurais, que se prologam até ao regresso à Suíça, após uma digressão em Inglaterra, resulta a primeira metade da reedição. As canções são densas e tensas, mas, também, alegres, joviais. Beri-Beri concorre com o melhor tema dos Wire, mas o embalo do baixo, a voz grave de Regula, à beira de rouquidão, o silvo dos pratos, dão-lhe o tom de uma ameaça. Madness baila sobre acordes que antecipam o indie-rock dos anos 80, com a repetição a chamar a melancolia urbana, até que o grito espontâneo da vocalista vem desarrumar a canção. O efeito é irresistível: apetece cantá-la. A música da Kleenex era, é assim, convite generoso para subir ao palco. Ao ouvi-la, estamos a tocá-la. 

As letras fazem referências ao quotidiano, às relações pessoais e amorosas (atente-se a You ou a Ain´t You). Regula está mais próxima de uma Nico “punk” e mundana do que de Patti Smith. Não lhe interessa a poesia ou a literatura. Grita tanto que é fácil imaginar-lhe o vento do hálito, a boca levemente escancarada e não está sozinha: Marlene Marder, Lislot Hat e Klaudia Schifferle juntam-se-lhe com berros, guinchos (em Heidi´s Head e Ü). Música de guitarras, o pós-punk, da Kleenex partilhava a fragilidade das Raincoats e das Slits, mas exibia algo que as inglesas não tinham. Uma atracção especial pelos ritmos cortantes e lentos: sob a barragem dos riffs, o baixo desenhava as curvas de um funk agressivo.

Após o regresso a Zurique, Regula sai e entra Astrid Spirit. Não seria a única alteração. A empresa de produtos de higiene força o grupo a mudar de nome. E nasciam as LiLiPut. A música continua, em traços gerais, a ser a mesma, embora se notem semelhanças com as bandas inglesas e o som do saxofone vá permeando temas como Slipt ou Martosen. Mas o gozo, a alegria não só não desaparecem, como levam a banda a outras soluções. Escutam-se apitos, assobios, cânticos, os ritmos tornam-se mais trepidantes, liberta-se a distorção. Há um lado festivo em Eisiger Wind e em Turn the Table advinha-se a influência dos Mekons e dos Gang of Four, iluminam-se os elogios que Kurt Cobain nunca se cansou de tecer às suíças: antes de gravarem Some Songs em 1983, as LiLiPut já eram uma excelente banda de indie-rock. First Songs encerra com um acordeão a expulsar as guitarras e a fazer voar as melodias (When The Cat´s Away). É um epílogo adequado para as Kleenex/LiLiPUT. Em 1983, a notícia da gravidez da vocalista precipitaria o fim da banda que, cansada de digressões, decidiu sair do palco onde podemos agora ouvir as suas canções.

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