Três curtas para sorrir em Vila do Conde

Jia Zhang-ke, Nele Wohlatz e Toru Takano assinam três pontos altos do concurso internacional do Curtas 2017: filmes cuja leveza não impede a sua seriedade.

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The Hedonists de Jia Zhang-ke dr
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Tres Oraciones sobre la Argentina de Nele Wohlatz dr
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She’s Beyond Me, do japonês Toru Takano dr

Nem só de filmes portugueses vive o Curtas Vila do Conde, mesmo que seja fácil esquecê-lo perante o peso que o papel de “montra” da produção nacional tem vindo a ganhar ao longo dos anos. E se nas escolhas anuais de entre uma vasta produção mundial há “de tudo, como na farmácia”, a edição 2017 do concurso internacional não tem sido parca em descobertas, surpresas, confirmações.

A começar pela presença do mestre chinês Jia Zhang-ke (Plataforma, Um Toque de Pecado, Se as Montanhas se Afastam) num registo mais ligeiro mas não menos tocante do que lhe conhecemos. The Hedonists, 30 minutos “encomendados” pelo Festival de Hong Kong, chega ao Curtas um ano depois de ter estado em Locarno, mas o tempo parece emprestar ainda mais pungência às vicissitudes sério-cómicas de três cromos de Fenyang que perderam o emprego com o fecho da mina.

Jingdong, Sanming e Wenqian são uma espécie de três estarolas que não ficam sobremaneira maçados por terem perdido o emprego, e não têm problemas nenhuns em candidatar-se a empregos para os quais não têm manifestamente jeito nenhum, entre guarda-costas e figurantes numa representação histórica. É uma espécie de “adenda” à passagem do tempo que Jia figurava com tanta elegância com Se as Montanhas se Afastam, e que surpreende pelo lado bem-humorado que habitualmente não identificamos com o realizador e pela utilização engenhosa da câmara montada em drones para sublinhar como estes três da vida airada estão perdidos pelo meio da China que está a avançar, deixando-os para trás.

É também pelo humor que se destaca Nele Wohlatz, a alemã radicada na Argentina que assinou uma das mais encantadoras surpresas dos festivais 2016 com El Futuro Perfecto, melhor primeira obra de Locarno que esteve a concurso no LEFFEST. Tres Oraciones sobre la Argentina é, como o filme de Jia, uma “encomenda”, aqui do Museu do Cinema Pablo Ducrós Hicken de Buenos Aires, que entregou a uma série de jovens cineastas imagens dos arquivos do cinema argentino para delas fazerem o que bem entendessem.

Wohlatz ilustra imagens de filmes turísticos e travelogues de estâncias montanhosas com um diálogo rigidamente gramatical de estudantes que estão a aprender a língua castelhana — um interlúdio particularmente delicioso vê-os passarem do espanhol com sotaque para o seu chinês nativo (quem tiver visto El Futuro Perfecto identificará as personagens e fará a ponte, mas Tres Oraciones existe autonomamente). Nesse processo, a realizadora prossegue a sua exploração do significado de identidade e nacionalidade, do olhar “de fora” sobre o que é “pertencer” a um país, questão central nos nossos tempos globalizados; são só quatro minutos, mas é uma delícia completa.

E por não ser muito normal que o cinema de autor seja bem-humorado — a tendência é mais sisuda do que outra coisa — é que falamos de uma outra curta bem divertida, esta mais numa lógica de média-metragem (40 minutos). She’s Beyond Me, do japonês Toru Takano, insere-se numa linhagem minimalista de romance trapalhão que tem como ilustres predecessores recentes o coreano Hong Sangsoo ou o francês Guillaume Brac, com uma personagem principal que parece à medida de Vincent Macaigne.

É a história de um escritor falhado regressado à ilha onde nasceu, que dá por si improvisado em hoteleiro para fazer um favor a um amigo e apanhado num jogo de seduções com duas turistas marotas — uma das quais é igualzinha à mulher que lhe partiu o coração. Takano não inventa nada — She’s Beyond Me é derivativo q.b. — mas sabe manter tudo mais leve do que o ar, na medida exacta de tempo, ritmo e graça. Quem disse que as curtas também não sabem rir, mesmo quando falam de coisas sérias? 

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