Sônia Braga: “O problema é com os ricos”

Conferência de imprensa de um “filme de resistência”, como lhe chamou o realizador Kleber Mendonça Filho, Aquarius. Onde Sônia Braga falou de ricos e pobres no Brasil. Onde se disse que a personagem que ela interpreta já é uma das mais revolucionárias do cinema brasileiro.

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Sônia Braga AFP PHOTO / ANNE-CHRISTINE POUJOULAT
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A conferência de imprensa que decorreu esta quarta-feira Léo Laumont / FDC
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O actor Humberto Carrão, a actriz Sônia Braga e o realizador Kleber Mendonça Filho ANNE-CHRISTINE POUJOULAT
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Sônia Braga em Cannes REUTERS/Yves Herman
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Sônia Braga em Cannes REUTERS/Eric Gaillard
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O elenco e realizador do filme durante o protesto na Red Carpet REUTERS/Jean-Paul Pelissier
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A actriz Maeve Jenkins, que interpreta a filha de Clara/Sônia no filme

Há quem tenha vindo por causa da memória dela em Dona Flor e seus dois Maridos (Bruno Barreto, 1976). Mas para ela, evocar uma era do passado não é apenas um trabalho de pura nostalgia, o tempo de um set e o que eles juntos faziam lá  - com Jorge Amado e com Zélia Gattai, com José Wilker… - é  pura alegria. “Não é nostalgia, é  uma coisa feliz. Um filme transmite felicidade a muitas pessoas e é isso que queremos, dar-lhes uma consciência, mas principalmente diverti-las”. Eis Sônia Braga, 66 anos, a intérprete de uma esplendorosa personagem, Clara, de um esplêndido filme, Aquarius, de Kleber Mendonça Filho, durante a conferência de imprensa em Cannes. “Filme foda!”, gritou um jornalista brasileiro.

Sônia vive entre Niterói e Nova Iorque. Há muito que não faz telenovelas, mas sublinha imediatamente: “A televisão é muito importante no Brasil. As pessoas não têm tempo nem dinheiro para ir ao cinema e ao teatro.” Logo a seguir a filha de uma costureira que criou sete filhos, a rapariga que deixou a escola aos 13 anos e que se tornou nos anos 70 e 80 num ícone do cinema e da televisão brasileiros, faz uma declaração essencial: isso não pode servir para menosprezar a “inteligência e a sofisticação dos pobres” no Brasil.

“O problema é com os ricos. Querem tirar a todos tudo o que eles têm e querem fazer as cidades feias”. Sônia, cuja linha de pensamento seria continuada por um colega actor, Humberto Carrão (ao falar na “falta de educação dos ricos”), referia-se ao contexto da personagem no filme, uma sexagenária, a única habitante de um edifício do Recife dos anos 40, que, não querendo abandonar as suas memórias, torna-se um foco de resistência para os projectos de uma imobiliária e da sua ferocidade.

“Viemos todos de sítios diferentes, mas estamos aqui. Temos de estar juntos, não importando de onde viemos, para fazermos todos juntos a democracia”. Sônia está então a falar de várias coisas que esta ficção absorveu, e que é o tempo que o Brasil vive hoje. Na terça-feira, ao subirem à red carpet para a gala de Aquarius, Sônia e a equipa, Kleber e os restantes actores, viraram-se para as câmaras e empunharam cartazes a denunciar o “golpe” - o processo de destituição da Presidente brasileira Dilma Rousseff - que entendem estar a ocorrer no Brasil. “Ocorreu um golpe de Estado no Brasil”, lia-se num dos cartazes. Outro: “O mundo não pode aceitar este Governo ilegítimo”. “Chauvinistas, racistas e golpistas como ministros”. “54.501.118 votos incinerados”.

Eis Clara, resistente. O filme é construído ao sabor do seu ritmo e do pulsar de memórias da casa que habita. Kleber Mendonça reconhece que esse é, para o espectador, a fronteira indecifrável que se ultrapassa, sem se saber como, no cinema. Mas quando se consegue… “Estamos lá”, no apartamento, “mas na realidade não estamos lá”. O segredo é dele, e é dela: Aquarius é documento sensual de uma actriz em evolução ferozmente livre, evocativa e desencadeadora de memórias (o património que foi deixando ao longo dos anos em cada espectador), num espaço de intimidade. Onde vão ficando impressos os sinais de uma reconfiguração global, a mudança de uma cidade e de um país, e a implicação devastadora com a sua memória, com a sua História. Num microcosmos, coisa de que Kleber gosta (veja-se O Som ao Redor, 2012), o Brasil.

Kleber diz que Aquarius é um filme de resistência. “Filme de resistência e um pouco filme de sobrevivência, mas mais filme sobre a energia que é necessário para existir. Cansa, mas dá mais energia para continuar a lutar. Penso que a Sônia entendeu isso logo”. Maeve Jenkins, que interpreta a filha de Clara/Sônia no filme, define-a com tanto entusiasmo quanto lucidez: “Clara é já uma das heroínas mais revolucionárias do cinema brasileiro, uma mulher forte como já não se encontra no cinema nesta faixa etária: na sua potência como mãe, na sua potência profissional, na sua potência erótica”.

 

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