O leilão é anual e inclui objectos e posses de Icons and Idols: Hollywood – é esse o seu nome e a edição de 2016 inclui artefactos e lembranças de ícones e ídolos de Hollywood expectáveis. Uns sapatos de Rita Hayworth, um vestido que Barbra Streisand levou aos Óscares, uma carta de Katharine Hepburn ou o blusão de cabedal de Steve Jobs. Mas há um item peculiar na lista da venda de Setembro da leiloeira Julien’s: as cinzas de Truman Capote.

O autor de Boneca de Luxo e A Sangue Frio morreu aos 59 anos em Los Angeles, mais precisamente na casa da sua amiga Joanne Carson (ex-mulher do célebre apresentador de TV Johnny Carson) onde se refugiava nos últimos anos da sua vida. “Ele tinha um escritório, uma sala para escrever em minha casa – passava cá muito tempo porque era um sítio seguro e ninguém conseguia chegar até ele”, descreveu Joanne Carson à Vanity Fair em 2012. "Ele desgraçou-se por causa da malevolência de Nova Iorque", disse Carson ao Los Angeles Times em 2006, quando vendeu mais de 330 lotes de pertences do seu amigo. Incluíam manuscritos, almofadas, fotografias, o casaco Courrèges que o escritor levava ao templo hedonista da noite nova-iorquina Studio 54 ou o seu cobertor de bebé.

Ela guardou religiosamente esse espaço nos anos após a sua morte, em Agosto de 1984, devido ao abuso de fármacos. Foi naquela sala que morreu e nela tinha ainda um computador e um grande urso de peluche. Joanne Carson manteve-a intacta durante duas décadas, mas em 2006 começou a vender em leilão alguns dos seus pertences. Agora, elas são estrelas de uma venda “sem precedentes e certamente extraordinária das cinzas fúnebres de Truman Capote”, como escreve a Julien’s no comunicado da semana passada que anuncia a edição 2016 de Icons and Idols: Hollywood. O leilão realiza-se a 23 e 24 de Setembro.

Sobre Carson, a leiloeira frisa que “ela dizia frequentemente que as cinzas lhe traziam bastante conforto. A caixa também tem a inscrição ‘Data de Cremação: 28 de Agosto de 1984’”, lê-se na nota, que detalha que a estimativa do preço que venha a atingir se situa entre os 4 mil e 6 mil dólares (entre 3500 e 5300 euros). A uma revista de social, a People, Joanne Carson disse: “Truman referia-se a mim muitas vezes como a sua Holly Golightly viva”.

Detalhes: as cinzas estão guardadas numa caixa japonesa em relevo; não são todas as cinzas de Capote. Carson tê-las-á dividido com o romancista Jack Dunphy, companheiro de Capote, e só guardou a sua metade na sua casa. Em 1988, chegaram a ser roubadas durante uma festa do Dia das Bruxas; foram devolvidas e sepultadas no famoso cemitério das estrelas Westwood Memorial Park, em Los Angeles. Chegou a haver outra tentativa de roubo, escreve a imprensa norte-americana, e Carson, a sua Holly Golightly, ponderou mesmo levar as cinzas à estreia da versão teatral de Boneca de Luxo. Mas acabou por manter os restos mortais do seu autor em segurança. Joanne Carson morreu em 2015 e só agora os gestores da sua herança decidiram vender.

Sendo uma peça de venda pouco convencional em leilão, este tipo de transacção que envolve corpos de celebridades ocorre com alguma frequência – além dos cabelos de Elvis, John Lennon, John F. Kennedy ou Beethoven, que já foram a leilão, o Washington Post recupera uma notícia da revista New Yorker que relata como as cinzas do arquitecto mexicano Luis Barragán foram transformadas num diamante para incrustar um anel que foi depois usado como moeda de troca para questões relacionadas com a mostra ao público da sua colecção privada. Também as pedras dos rins de William Shatner, o capitão Kirk de Star Trek, foram ao mercado (venderam-se por 66 mil euros), e neste leilão da Julien’s as próteses de orelha que Leonard Nimoy usou para ser Spock no mesmo Star Trek vão à praça.

A imprensa não deixa esquecer o caso do pénis de Napoleão, mencionado até pelo responsável pela Julien’s, que depois da sua morte em 1821 foi separado do corpo do imperador francês e que acabaria por, cem anos depois, ser exposto em Manhattan e vendido em leilão pela Christie’s em 1977. O comprador foi um urologista de Nova Jérsia, que entretanto deixou o peculiar artefacto à filha.

A venda inusitada seria do agrado do escritor e cronista, defende Darren Julien, o presidente da leiloeira, que garante que as implicações éticas da venda, que considera inédita, foram amplamente discutidas. “Tenho a certeza de que as pessoas vão achar isto desrespeitoso. Mas é um facto: Truman Capote adorava o elemento-choque, adorava ser falado. E tenho a certeza que ele está a olhar cá para baixo a dizer ‘Isso é algo que eu teria feito’”, defende numa entrevista à Vanity Fair. “Se não fossem de Truman Capote, teríamos rejeitado [a possibilidade de as vender] por ser uma falta de respeito”.