"Há um bocadinho de cultura low cost no projecto para o Palácio da Ajuda"

Primeiras reacções ao novo projecto para este monumento nacional. Ordem dos Arquitectos contesta a adjudicação directa do projecto de arquitectura.

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O projecto do arquitecto João Carlos dos Santos, subdirector-geral do Património
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O conselho directivo regional do sul da Ordem dos Arquitectos criticou esta quinta-feira em comunicado o processo de escolha do novo projecto para o Palácio Nacional da Ajuda, em Lisboa, lamentado que "não tenha sido objecto de concurso público de concepção”. 

Lembra que a obra, apresentada na segunda-feira com a presença do primeiro-ministro, terá um valor de 15 milhões de euros e é "uma intervenção num património tão relevante na cidade”.

A secção do sul da Ordem dos Arquitectos (OA) valoriza “o interesse do Ministério da Cultura, da Câmara Municipal de Lisboa e da Associação de Turismo de Lisboa em resolver um assunto há tanto tempo pendente, como é o remate da fachada e a valorização das áreas poente e norte do Palácio da Ajuda”, mas sublinha que se trata de um monumento nacional e de “um dos mais simbólicos e relevantes conjuntos edificados da cidade de Lisboa”. 

Rui Alexandre, presidente do conselho directivo regional do sul da OA, explica ao PÚBLICO que decidiram divulgar a sua posição porque a ordem defende que deve haver preferencialmente um concurso público de concepção quando há uma encomenda do Estado, sobretudo com esta importância para a cidade. “Não estamos a falar de ilegalidades”, reforça, “mas de uma recomendação”. “É muito importante que haja um debate público relativamente à conclusão do palácio e isso faz-se através de uma encomenda mais alargada”, explica o arquitecto, acrescentando que tem havido muitos protestos nas redes sociais da OA sobre a ausência de concurso. Um concurso que, lê-se no comunicado, “permite a apreciação de cenários alternativos para a obra, elaborados a partir de um programa objectivo, e avaliados por um júri independente e qualificado”. 

A Ordem dos Arquitectos do sul diz ainda no mesmo documento que não está em causa a qualidade do projecto desenvolvido pela direcção-geral do Património e o mérito profissional de João Carlos dos Santos, mas “repudia” as afirmações do ministro da Cultura e do Presidente da Câmara de Lisboa feitas ao jornal Expresso e a “desvalorização da ‘necessidade de um concurso de ideias mais amplo ou de um debate sobre esta escolha’”.

Oportunidade perdida

“O processo [de selecção do projecto] espantou-me a mim e espantou muita gente, porque o Palácio da Ajuda é uma das histórias mais fantásticas e míticas da arquitectura portuguesa", diz Jorge Figueira, crítico de arquitectura do jornal PÚBLICO. "Resolvê-la com um arquitecto da casa, como é dito, com uma espécie de expediente pragmático, parece-me que é perder uma oportunidade. Há aqui um bocadinho de cultura low cost que parece passar do Turismo para a própria resolução de problemas míticos da cidade de Lisboa.”

Segundo o crítico, não era necessário, obrigatoriamente, um concurso público, porque há “uma miríade de possibilidades” para tornar “a ocasião num acontecimento público de grande valor cultural para a cidade de Lisboa e para o país”. Uma oportunidade, por exemplo, para fazer uma exposição sobre o processo, a arquitectura do palácio, as hipóteses que foram lançadas, como as de Raul Lino e de Gonçalo Byrne. “É exactamente o tipo de caso que não deveria ser resolvido com um arquitecto da casa que aparece com um conjunto de imagens que proclamam que finalmente o problema vai ser resolvido.” 

Numa breve resposta ao PÚBLICO, o gabinete do ministro da Cultura Luís Filipe Castro Mendes explicara já na segunda-feira que a escolha do projecto para a Ajuda não decorreu de um concurso internacional porque, de acordo com o custo da obra e tratando-se de uma intervenção realizada por um técnico da casa num imóvel público, a lei não o exige. “De acordo com a Lei Orgânica da DGPC (DL 115/2012 – 25/Maio - Artº 2, nº2, alínea d)), compete-lhe, através dos seus serviços, elaborar projectos para a execução de obras em imóveis classificados de que o Estado é proprietário. A questão de um concurso só se coloca nos casos em que se externalizam os projectos (para obras deste valor)”, lê-se no email enviado pela assessora de comunicação de Castro Mendes. 

A conclusão do Palácio Nacional da Ajuda, obra iniciada em 1796 e cuja conclusão está adiada há mais de 200 anos, foi objecto de vários projectos nas últimas décadas. O que foi agora apresentado é a quinta versão feita pelo arquitecto João Carlos dos Santos, subdirector-geral da DGPC, organismo encarregue de aprovar as intervenções propostas nos bens classificados.

A obra prevê o remate da fachada poente do edifício (a que dá para a Calçada da Ajuda, que continuará a ter carros e eléctricos), a construção de duas caixas-fortes onde será instalada a colecção de jóias da casa real portuguesa, dividida em dois núcleos distintos, e a beneficiação na Calçada entre a Alameda dos Pinheiros e a Rua das Açucenas.

Não é ilegal, mas...

João Belo Rodeia, que em 2003-2005 presidiu ao Instituto Português do Património Arquitectónico (Ippar), antepassado da DGPC, e que esteve à frente da Ordem dos Arquitectos durante seis anos (2008-2013), celebra o remate do palácio há tanto tempo adiado e o facto de finalmente se ter encontrado uma maneira de o financiar, mas está entre os que lamentam que o processo não tenha incluído um concurso.

Fazendo questão de frisar que, tal como o crítico Jorge Figueira, não é a favor de concursos públicos para tudo, Rodeia defende que este edifício, pela sua importância história, pelo seu valor simbólico e pelo papel que tem na cidade, merecia pelo menos que se lançasse o convite a alguns arquitectos para que apresentassem ideias: “Teria ficado bem. Este não é um edifício qualquer e, por isso, teria sido importante ter vários bons projectos de onde escolher." E acrescenta: "Rematar a Ajuda é de uma enorme complexidade porque não se trata de encontrar apenas uma solução arquitectónica – a solução é também urbana. ”

Este antigo responsável pelo património não conhece bem a proposta de João Carlos dos Santos, arquitecto com quem aliás já trabalhou, e por isso prefere não emitir qualquer opinião sobre ela. Diz apenas que é “um projecto possível, entre muitos”, que tem um “programa adequado” (a exposição das jóias da casa real portuguesa) e o mérito de vir pôr fim a uma situação que se arrasta há séculos. “Não há aqui nenhuma ilegalidade em não lançar um concurso mas há um aspecto que é preciso ter em conta: João Carlos dos Santos é subdirector da DGPC, que é a entidade que emite pareceres sobre o património, que aprova, acompanha e fiscaliza intervenções. Parece-me que, nessa qualidade, não devia assinar este projecto. Mais uma vez digo, não é ilegal que o faça, mas é no mínimo redundante. No meu tempo [à frente do Ippar] não o permitiria.”

João Rodeia lembra ainda que durante anos o Estado teve um contrato com Byrne, autor de um projecto para o palácio que implicava já em 1989 a exposição das jóias, e que a ele pôs fim de forma “pouco digna”: “O arquitecto Byrne teve o projecto adjudicado 20 anos. Havia um compromisso do Estado que simplesmente não foi respeitado e, mais grave do que isso, começou a trabalhar-se numa alternativa sem que ele fosse informado. Não posso precisar números porque não me lembro, mas seria um projecto para custar muito mais do que este.”

O dinheiro, naturalmente, pesou. Na sua intervenção na segunda-feira, na apresentação do projecto, o ministro da Cultura classificou-o como “sustentável” e o próprio João Carlos dos Santos explicou ao PÚBLICO que a sua proposta levou em conta a necessidade de reduzir os custos. “Esta solução é de compromisso: mexe um bocadinho na Calçada da Ajuda para que a entrada da exposição das jóias tenha uma pequena praça, mas não a anula. Os projectos anteriores, como o do arquitecto Byrne, tinham mais área de construção e mexiam muito na envolvente, o que tornava tudo muito mais caro.”

Os custos desta intervenção, que deverá estar adjudicada em Julho de 2017 e concluída até Dezembro de 2018, são partilhados, de acordo com o protocolo assinado esta segunda-feira, pelo Ministério da Cultura, através da DGPC, pela Câmara Municipal de Lisboa e pela Associação de Turismo de Lisboa, a entidade que gere a taxa turística da autarquia, que aqui vê aplicadas as suas primeiras receitas (seis milhões de euros). 

Sobre a qualidade do projecto, Jorge Figueira ressalva que há apenas um conjunto de imagens disponíveis, que mostram que o arquitecto tenta jogar no contraste com o edifício, “um truque muito habitual da arquitectura”.

O projecto reproduz nas várias lâminas que compõem a nova fachada do palácio um corte do edifício, como se fosse uma fatia com o perfil da arquitectura clássica várias vezes multiplicada. “Essa vontade de ser contemporâneo e jogar com a ruptura, mesmo nesse jogo habilidoso com o corte, que é aliás uma figura abstracta da arquitectura, é demasiado evidente. Gostaria que houvesse uma maior ambiguidade.” 

Contactada pelo PÚBLICO, a DGPC remeteu um comentário ao comunicado da OA para mais tarde.

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