Se este é o seu futuro, o flamenco terá longa vida

Para o Festival Flamenco de Lisboa foi mais uma aposta ganha. Amós Lora e Paloma Fantova deram um espectáculo brilhante no CCB.

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Amós Lora DR
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Paloma Fantova DR

Há homenagens e homenagens. A que o Festival Flamenco de Lisboa quis prestar a Paco de Lucía cumpriu-se pelo brilho e fogosidade dos seus principais expoentes: Amós Lora e Paloma Fantova.

Na noite de 18 de Junho o Grande Auditório do CCB esteve particamente cheio para assistir a um espectáculo que se adivinhava intenso, mas que acabou por superar as expectativas. Amós Lora, o jovem guitarrista que encantou numerosos músicos (entre os quais o próprio homenageado, Paco de Lucía, que o mundo infelizmente perdeu em 2014), é em palco a imagem pura da modéstia. É uma estrela que voluntariamente se apaga para se agigantar apenas nas notas e na forma como se apropria da guitarra, das suas sonoridades e reverberações.

À vista é uma criança (tem apenas 15 anos, tinha 10 quando Paco de Lucía o ouviu pela primeira vez) mas aos ouvidos é um génio. Se continuar nesta senda, sem exibicionismos fúteis, será (de certa maneira já o é) um dos grandes nomes da guitarra flamenca de todos os tempos.

O que nos trouxe ele, nesta noite? Temas do seu reportório, como Bahia de las negras, Cerro negro ou Amor de Díos (gravados no seu único disco até à data, Cerro Negro, editado em 2012, que no final do espectáculo, por estar ali à venda, teve muita procura por parte da audiência) e outros celebrando o homenageado.

Antes, porém, de Amós entrar em palco o guitarrista português Manuel d’Oliveira apresentou em solo absoluto, frente às cortinas do palco ainda cerradas, um tema seu, Para sempre Paco. Isto porque, como explicou, deve a Paco de Lucía, que muito o influenciou, o facto de ser guitarrista. Nas cordas pressentiu-se esse “toque”, com a particularidade de embutir nele a alma portuguesa. (no YouTube, o Festival de Flamenco de Lisboa publicou um curto vídeo dos ensaios de guitarra de Amós Lora com Manuel d'Oliveira, gravados antes do espectáculo)

Manuel d’Oliveira serviu, também, de apresentador do que se seguiria: Amós Lora, que não veio em sexteto, como erradamente se anunciou, mas sim acompanhado de mais três músicos: Joni Jiménez (guitarra), Sabu Porriña (cajón) e Rafael (“Rafita”) Jiménez (voz, palmas). Um grupo coeso e vibrante, onde só a voz de “Rafita” pareceu não estar nos seus melhores dias.

A solo, duo, trio ou com todos os músicos, Amós mostrou-se excelente, versátil, com uma paleta rica de tonalidades e com dedos ágeis e seguros, mostrando uma maturidade rara em músicos tão novos. Um prazer para os ouvidos. Tal como a bailaora Paloma Fantova se mostrou um prazer para os olhos. De gestos seguros, eficazes, nalguns passos a rondar o sublime, ela apoderou-se do palco como um caçador da presa. Nenhum gesto em falso, nenhum deslize, tudo nela parecia comandado a nervo e sangue resultando num todo harmonioso e febril, encarnando ferocidade e beleza. Paco de Lucía havia de ter gostado de vê-la, uns passos à frente do seu menino-prodígio, ele senhor da guitarra enquanto ela, no remate ardente de um bailado, dirigia com a mão um beijo ao céu. Paco, claro.

O espectáculo haveria de encerrar com uma versão excelente da célebre Entre dos aguas, de Paco de Lucía, agora com Manuel d’Oliveira também em palco (o trio de guitarristas revezou-se, de forma arrebatadora, nos solos) e com a participação de todos os músicos, Paloma incluída.

Na primeira fila da plateia, a filha de Paco, Lucía Sánchez, assistiu a tudo. E no final teve também direito a um ramo de flores, tal como Paloma. Uma forma, mais, de estreitar os laços entre a memória sempre presente do mestre e o futuro, ali representado por um guitarrista de 15 anos e uma bailaora de 25, provas vivas de que se este é o futuro do flamenco, ele há-de ter longa vida.

A finalizar, esta sexta-feira dia 19, o Festival Flamenco apresenta no Clube Ferroviário o grupo Gipsy Rapers. Nascido no Barrío de Santiago de Jerez de la Frontera, em 2008, embrenhou-se no flamenco, mas fundindo-o com outros géneros: rap, bossa nova, pop e funk. Às 22h.

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