É isto que diz o Homem-Aranha quando assalta um museu e é apanhado

Um homem que está a ser julgado em Paris pelo roubo de cinco pinturas de artistas como Picasso e Matisse avaliadas em mais de cem milhões de euros explica como tudo foi tão fácil. Ele, que planeou levar apenas uma pintura, acabou por sair do museu com cinco.

<i>Nature Morte au Chandelier</i>(1922), de Fernand Léger
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Nature Morte au Chandelier(1922), de Fernand Léger Cortesia: Museu de Arte Moderna da Cidade de Paris
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La Femme à L'éventail (1919), de Amedeo Modigliani Cortesia: Museu de Arte Moderna da Cidade de Paris
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Le Pigeon aux Petits Pois (1911), de Pablo Picasso Cortesia: Museu de Arte Moderna da Cidade de Paris
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L'Olivier près de l'Estaque (1906), de Georges Braque Cortesia: Museu de Arte Moderna da Cidade de Paris
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La Pastorale (1905), de Henri Matisse Cortesia: Museu de Arte Moderna da Cidade de Paris
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Galeria do Museu de Arte Moderna da Cidade de Paris Martin Henrik
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Galeria do Museu de Arte Moderna da Cidade de Paris Martin Henrik

Vjéran Tomic tem 49 anos e um talento reconhecido para escalar edifícios que habitualmente lhe serve para assaltar apartamentos e que já lhe valeu, sem surpresas, a alcunha de Homem-Aranha nas páginas dos jornais. Em Maio de 2010, passando dos roubos domésticos para a esfera pública, entrou no Museu de Arte Moderna da Cidade de Paris e saiu de lá pouco depois com cinco pinturas avaliadas em mais de cem milhões de euros, entre elas um Matisse, um Picasso e um Modigliani. E tudo, disse-o esta segunda-feira o juiz que preside ao julgamento de Tomic, com uma “facilidade desconcertante”. E porquê?

Dessa vez, para levar a cabo tão ambicioso assalto, o atlético Vjéran Tomic, ladrão experiente que tem no cadastro 14 condenações, não teve de fazer nenhuma subida espectacular pelas paredes nem de recorrer a qualquer tipo de acrobacia circense. Bastou-lhe aproveitar, contou durante a audiência, as oportunidades dadas pelo sistema de segurança, que o juiz-presidente Peimane Ghalez-Marzban classificou como “deficiente”. Naquela noite de 2010, desmontou uma vidraça, livrou-se de um cadeado insignificante e iludiu sem esforço um circuito interno de videovigilância com 30 câmaras cuja qualidade de imagem é tão má que torna impossível qualquer reconhecimento facial.

Tomic, que antes da sessão brincara com os jornalistas dizendo que era Arsène Lupin, o ladrão cavalheiresco criado pelo autor de policiais Maurice Leblanc, foi acrescentando elementos à história do roubo durante o seu depoimento, entre eles o facto absolutamente surpreendente, confirmado pelos três seguranças que naquela noite estavam de serviço no interior do museu, de o alarme estar inactivo. Os guardas explicaram que o tinham desligado dois meses antes porque disparava a toda a hora sem razão que o justificasse, informando em seguida os seus superiores.

Esse dado, com o qual o assaltante não contara, permitiu-lhe alterar os seus planos iniciais e vaguear pelas galerias sem ser detectado durante uma hora, como quem se passeia pelos corredores de um centro comercial antes de decidir o que vai comprar. Neste caso, Vjéran Tomic, um homem de 1,90 metros, olhos claros e cabeça rapada que se diz “um verdadeiro amante de arte”, estava a escolher as pinturas que levaria consigo. É que inicialmente, explicou em tribunal, entrara no Museu de Arte Moderna da Cidade de Paris quando já passava das três da manhã para roubar apenas Nature Morte au Chandelier (1922), de Fernand Léger, mas, perante tamanha oportunidade, acabou por sair de lá com cinco obras: além do Léger que lhe fora “encomendado”, roubou Le Pigeon aux Petits Pois (1911), de Pablo Picasso, L'Olivier près de l'Estaque (1906), de Georges Braque, La Pastorale (1905), de Henri Matisse e La Femme à L'éventail (1919), de Amedeo Modigliani.

Uma vidraça de 80 quilos

O assalto correu tão bem que até Tomic ficou surpreendido. Diz o francês Le Figaro que, com “pranchas” e “ventosas profissionais”, conseguiu “fazer deslizar sem barulho” uma vidraça de 80 quilos, um método que conhece bem e que tinha considerado adequado nas seis visitas que fez ao museu para preparar o golpe, cortando em seguida o cadeado da grade de metal que o separava da galeria. O assaltante contava ter de sair a correr, mas acabou por ficar e até entrou e saiu mais do que uma vez para poder levar as cinco pinturas para o seu carro. “Há sistemas de segurança bem mais sofisticados em casas particulares”, disse nesta primeira audiência a que assistiram, naturalmente, representantes dos museus parisienses.

A cidade de Paris, que gere o museu, avaliou as obras então roubadas nos tais cem milhões de euros, mas, segundo vários jornais e agências internacionais, não falta quem defenda que valem pelo menos o dobro.

Vjéran Tomic foi preso em 2011 na sequência de uma denúncia anónima à polícia – alguém que dizia ter visto um homem alto e atlético a rondar o museu nos dias que antecederam o assalto. Segundo as autoridades, rapidamente confessou o roubo, mas recusou-se a nomear as restantes pessoas envolvidas, em particular quem o contratara para roubar o Léger.

Actualmente outros dois homens respondem em tribunal. Jean-Michel Corvez, um antiquário, é acusado de ter encomendado Nature Morte au Chandelier em troca de 40 mil euros, possivelmente a pedido de um coleccionador “marroquino ou saudita”, disse Tomic aos agentes encarregues da investigação.

Ao juiz o marchand de óculos quadrados e fato de veludo escuro que faz lembrar os vilões dos filmes da Disney (a descrição é do diário Le Monde) admitiu que o cliente que tinha em vista era saudita, mas nunca o identificou por receio de sofrer represálias, alegou, mencionando ainda, e de acordo com o Art Newspaper, uns misteriosos advogados israelitas.

O enviado do saudita, disse Corvez em tribunal, certamente assustado com toda a atenção que o assalto merecera em jornais, rádios e televisões, acabou por devolver o Léger pelo qual tinha pago 80 mil euros, sem sequer exigir o dinheiro de volta.

Obras no lixo?

Yonathan Birn, que negoceia e repara relógios raros, está sentado no banco dos réus por ter escondido as obras. Disse em tribunal que começou por pôr o Modigliani no cofre de um banco e por embrulhar as quatro outras pinturas em papel, colocando-as depois atrás de um móvel em metal que tem no seu apartamento de dois quartos.

O assaltante arrisca 20 anos de prisão, aos passo que Corvez e Birn enfrentam uma pena que pode ir até aos dez.

Durante o interrogatório, Birn também confessou ter tido as pinturas nas mãos, mas disse aos investigadores, lavado em lágrimas e jurando arrependimento, que as deitara no lixo, em pânico, porque se julgara vigiado pela polícia. “Convenci-me de que estava a ser filmado e observado. Disse a mim mesmo que não podia sair do edifício com as pinturas e cometi o pior erro da minha vida”, cita o diário britânico The Telegraph.

Em Maio de 2011, a polícia revistara o seu apartamento devido a suspeitas de que estaria ligado a outro roubo, mas nunca procurou atrás do dito armário, escreve por sua vez o Art Newspaper.

As autoridades, ao que parece, não acreditaram nem nas lágrimas, nem no arrependimento, nem na versão do relojoeiro no que toca ao destino dado aos quadros. Preferem a teoria de que, muito provavelmente, Birn os vendeu a um coleccionador em Israel, país que visitou entre o assalto e a sua detenção.

O museu, que ainda tem sete obras de Fernand Léger na colecção, não tem qualquer indicação no seu site de que o acervo incluía, antes daquela noite de Maio de 2010, a natureza-morta roubada. O mesmo se passa com as pinturas dos outros quatro artistas. Depois do assalto, as autoridades municipais abriram um inquérito cujos resultados foram entregues à polícia e investiram três milhões de euros na melhoria do sistema de segurança.

Essa avaliação do estado do museu à data do roubo terá concluído que, tal como o alarme, os monitores da central de segurança estavam desligados, que as portas entre as galerias de exposição se encontravam abertas e que as pinturas não estavam bem presas à parede. As janelas do edifício eram as originais, não tendo sofrido qualquer intervenção desde 1937. Apesar deste cenário, e até à data, nenhum funcionário do museu ou do município foi responsabilizado pelo sucedido.

As pinturas estão ainda por localizar e o julgamento continua já esta sexta-feira. De jornal para jornal, as discrepâncias de pormenores relativamente ao roubo são muitas, mas numa coisa todos parecem estar de acordo – o Homem-Aranha quer que Yonathan Birn revele onde estão os quadros roubados. “Estas são as minha obras de arte”, terá dito ao juiz, acrescentando, ainda, que pagou sempre bilhete nas visitas preparatórias feitas ao museu e que tem muita pena de não ter roubado um Magritte.

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