Primeiros pequenos passos?

As duas primeiras exposições da nova directora da Gulbenkian, Penelope Curtis, assinalando os 60 anos da instituição, mostram uma viragem para o turista.

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Instabilidade, de Miguel Palma, faz tremer uma jarra de porcelana através de um dispositivo mecânico no museu Rui Gaudêncio

Desde que a Gulbenkian anunciou a criação de um museu que albergasse a totalidade das colecções em acervo na Fundação e escolheu a britânica Penelope Curtis para liderar esta profunda transformação, que se esperava por estas exposições. Para além das expectativas que as mudanças sempre geram, havia a questão de como seria possível articular patrimónios e funções tão diferenciadas: a colecção do fundador, uma colecção que reflecte sobretudo o gosto e a individualidade de Calouste Gulbenkian, e as colecções de arte moderna e contemporânea que reflectem não só a relevante actividade da Fundação na área da arte contemporânea, mas também a maneira como a produção contemporânea, sobretudo portuguesa, tem na Gulbenkian um dos seus centros principais. Estas mudanças têm nestas duas novas exposições (a que se segue a 8 de Julho uma segunda parte, a apresentação definitiva das colecções de arte moderna e contemporânea no extinto Centro de Arte Moderna) a sua consolidação e primeira expressão. O resultado não é bom. Porque a visão que enforma as exposições não é relevante, nem constitui a afirmação de um modo original de conceber a história da arte ou sequer a história da Fundação.

Linhas do Tempo é o momento principal e parte de um conceito temporal: o ano da criação da Fundação – 1956. Depois a exposição navega 60 anos para trás e 60 anos para a frente, um arco temporal que vai de 1896 a 2016, 120 anos de uma história de relações entre objectos de diferentes origens, filiações e géneros. Do ponto de vista museológico e historiográfico as relações espaciais entre as diferentes peças (obras de arte, mobiliário, tapetes, moedas, porcelanas, vidros, revistas) parece apontar para uma nova – e para alguns radical – historiografia da arte (muito inspirada em Warburg e seguidores) que se caracteriza pela mistura de materiais que, fazendo uso da técnica cinematográfica de montagem, constroem uma visão sinóptica. Mas não é isso que está em causa: a tentativa é, primeiro, ilustrar a modernidade do gosto do fundador e, depois, realçar a condição histórica das colecções. No primeiro caso o gosto fica mal caracterizado e surge através de relações forçadas que em nada contribuem para alimentar a curiosidade sobre a inquietação e o impulso que levaram um britânico a constituir este acervo; depois, quando tenta mostrar a relevância histórica da Fundação ao longo dos seus 60 anos de vida esquece o papel político, social e artístico que teve na arte portuguesa. Portanto, nem um bom cabinet de curiosités, nem a afirmação do modo como a Fundação foi tão decisiva para tantas gerações de artistas, investigadores e para a sociedade (muitos artistas fundamentais da contemporaneidade chegaram a Portugal via Gulbenkian). As relações entre as obras são, na maior parte das vezes, casuais e pouco ou nada acrescentam ao que já sabíamos e se tinha visto nas mesmas galerias. Para além de que falta todo o trabalho de contextualização e pesquisa que permitam ao visitante refazer as ligações existentes na cabeça dos curadores.

No interior do Museu Convidados de Verão inicia um fértil diálogo com outros tempos e outras formas artísticas. O modelo não é novo e José Pedro Croft, Paula Rego e Manuel Botelho já tinham feito intervenções em diálogo com o Museu e o seu capital simbólico e artístico. Desta vez há uma viagem pelo tão eclético interior do Museu conduzida por notáveis artistas que conseguem estabelecer diálogos intensos e, sobretudo, trazer para o nosso tempo as peças do museu.

Esperemos que estes pequenos primeiros passos sejam o início de um novo caminho em que não seja esquecido que os seus interlocutores principais não são só os turistas de Lisboa (e é uma viragem para o turista o que estas exposições parecem materializar), mas também o meio artístico português que deve uma importante parte da sua formação aos diálogos e provocações nascidos nas galerias da Fundação Gulbenkian.

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