Porto

já o disse, passo a escrever, a entrada deste executivo na Câmara Municipal do Porto, acarretando a figura de um vereador como Paulo Cunha e Silva, é da ordem da ressurreição. Sim, da ressurreição da Cultura enquanto essencial modo de ser, pensar, de cuidar e de promover um povo e um lugar.

A Cultura é auto-estima e, por isso, apenas políticos imbecis sentem a urgência de a aniquilar. Porque é mais fácil dispor do que não tem identidade, daquilo cujo valor se desconhece ou não se quer reconhecer.

A cidade do Porto atravessou um deserto por longos anos, abdicando de toda a importante dimensão da arte e do pensamento. O executivo anterior não foi mais do que um grupo merceeiro que traduziu a acção pública numa preferência insuportável pela entrega de competências, e incompetências ou irresponsabilidades, à iniciativa privada. O caso de La Féria no Rivoli é pragmático. A principal sala de espectáculos da autarquia ficou hipotecada ao trabalho de uma só companhia. Independentemente da qualidade em causa, uma cidade não se faz apenas com musicais ao jeito da Broadway.

Hoje, no contínuo anúncio de falta de dinheiro, agita-se o Porto com ganas de se reposicionar no país e na Europa como lugar criativo, dinâmico, no qual vale a pena investir para umas férias, para um negócio, para um projecto de vida. Finalmente, percebe-se que desenvolvimento cultural é um todo que significa também ganhar dinheiro. A Cultura é uma indústria de gente sem medo. Uma indústria de opinião, assente na liberdade superior de cada um gostar e deixar de gostar no instante seguinte. Por isso será sempre tão incómoda à política despótica que se pretenda instalar sem fim.

A Cultura critica-se a si mesma por definição, aspira ao cristalino e ao sublime. A política rende-se à promoção do marasmo e opera na opacidade.

Conheço com distância mas gosto da figura de Paulo Cunha e Silva. Um indivíduo com ideologia e, sobretudo, alguém que, entendendo a necessidade de fazer Cultura para todos, não se rende ao pacóvio e procura uma elevação e sofisticação que urgem cada vez mais no cômputo geral da parolice que impera nas ofertas da maioria das autarquias do país.

O Porto é uma cidade laboral, dedicada ao trabalho a sério, sem aparato. Fugiram as sedes das grandes empresas para a capital, para já não falar nos grandes serviços do Estado, ficou cá em cima, dentro e em todo o redor, a realidade braçal e, diria, poluente da produção. Fácil é de perceber que o Porto tenha uma imagem truculenta, popular no sentido meio grotesco do termo, folclórica ou ridícula. É a promoção contínua desta imagem que mais me ofende e frustra. Sobretudo, é quando a própria política local deita mão deste cliché que se torna verdadeiramente horrendo.

No Porto tudo urge num sentido de um novo cosmopolitismo. As novas gerações exigem outra imagem, têm outra imagem. O Porto transforma-se numa das melhores e mais charmosas cidades europeias. É o momento certo para termos vereador da Cultura e termos consciência de que quem nos visita e quem nos convida quer saber de nós, como somos, que talentos desenvolvemos, que história contamos, o que há nos nossos museus, como são maravilhosas as mesas que servimos, lindos e esperançados os sorrisos, que bravura guardamos, de que dignidade nunca abdicamos, como nos divertimos. As cidades que não se protegem e promovem culturalmente são apenas armazéns de trabalhadores. São hangares de braços. A vida passa noutro lado.

Os políticos, eventualmente como toda a gente, têm uma capacidade enorme de nos frustrar. Mas não estou ingenuamente à espera que o Paulo Cunha e Silva levante voo como mago. Estou só a celebrar algo que é vital para uma cidade que amo e que tanto quero ver mostrar ao mundo a maravilha que é. Celebro o esforço genuíno para a entrada num tempo de outra profundidade. A única que pode acarretar uma cidadania sustentável e de valores efectivamente humanos. Sem Cultura vivem os bichos.     

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