Pedro Rapoula: “A FILBO é um dos eventos mais democráticos da Colômbia”

O novo director da Feira Internacional do Livro de Bogotá explica o sucesso do evento e quer agora apostar no negócio dos direitos de autor e nos leitores de amanhã.

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Este ano o país convidado é a Holanda REUTERS/John Vizcaino
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Pedro Rapoula já está a preparar a edição do próximo ano em que se comemoram os 30 anos da feira dr

O português Pedro Rapoula, 39 anos, ex-assessor para a Cultura de Cavaco Silva e ex-conselheiro da Embaixada Portuguesa na Colômbia, é a partir do próximo ano o director da Feira Internacional do Livro de Bogotá (FILBO), o segundo maior evento literário da América Latina a seguir à feira de Guadalajara. Foi um dos doze candidatos ao cargo, ficou entre os três finalistas, ao lado de um canadiano e de um holandês, e começou a trabalhar este mês. Diz que a sua função é apagar fogos, esse é o papel de um director de uma feira, como a de Bogotá, que tem mais de 1500 eventos e por onde passam 500 mil pessoas. Nesta edição, ao lado da actual directora, Adriana Martínez, está a preparar já a edição do próximo ano em que se comemoram os 30 anos da feira: com uma retrospectiva de todas as edições e de todos os autores que já passaram por lá tendo França como país convidado.     

Há jovens nas filas da Feira Internacional do Livro de Bogotá durante horas, para ouvir um escritor de 80 anos, como se esperassem por um concerto de Justin Bieber. Como se explica isto?
As pessoas vêm e não se importam de estar na fila três ou quatro horas, lutam pelo seu lugar. É um fenómeno impressionante. Eu quero acreditar que se deve a toda a divulgação que se faz nos órgãos de comunicação social. E ao facto de se ter preparado um público, através das escolas, etc.

Alguns jovens dizem que não perdem uma feira, desde que vieram a primeira vez, numa visita de grupo com a escola.
Sim, isso funciona. E depois há uma campanha maciça nas redes sociais, que ajuda muito a criar esta dinâmica de procurar os autores...

Transformando-os em estrelas pop.
Nós não fazemos a apologia do escritor estrela pop. Mas queremos que a programação circule, porque isso é a garantia de que iremos ter as salas cheias de gente.

O clima de festa que se vive deve-se apenas à promoção feita pelos organizadores da feira, ou a um trabalho que vem de trás, da responsabilidade das autoridades do país?
O clima de festa tem muito a ver com o investimento que se tem feito na cidade de Bogotá e no país inteiro em programas de divulgação e apoio à leitura. Há um programa do Ministério da Educação chamado Leer es mi cuento e há um projecto do distrito de Bogotá chamada Leer es volar. Tudo isto chega às pessoas, chega às escolas, chega a um público mais jovem. E a partir daí cria-se esta dinâmica e a convicção de que a FILBO é uma festa. As pessoas vêm à festa dos livros.

A literatura é vista como uma arte popular, como a música. Com os seus mitos, as suas estrelas. Cria-se uma relação com os autores, as pessoas querem conhecê-los.
Sim, é isso. Quando vem um autor importante há um interesse genuíno das pessoas. Em Janeiro deste ano, por exemplo, veio vá o Gonçalo M. Tavares. Fez uma conferência interessantíssima, que teve logo uma repercussão enorme. Chegou a ser falada num jornal argentino.

São eventos que já ultrapassam a Feira.
Sim, os efeitos continuam para lá da Feira, porque as pessoas ficam envolvidas. A FILBO é um dos eventos mais democráticos da Colômbia. Toda a gente tem acesso a ela. O bilhete custa 7 mil pesos (2 euros). Foi pensada para que as pessoas venham, toda a gente possa entrar, para ver os seus autores preferidos, comprar os seus livros. A Feira democratiza a leitura.

E está pensada, com esta componente de festa, para criar novos leitores?
Sim, uma pessoa que não tenha hábitos de leitura chega aqui, vê todo este movimento, apercebe-se do impacto que é estar perante um autor, ouvir o que ele tem a dizer. E fica com curiosidade de ler os seus livros.

Muitos dos livros lançados não são propriamente literatura. Essa também é uma das facetas democráticas da feira?
A Feira promove a leitura. Não apenas de literatura. Aqui vendem-se muitos tipos de livros. Neste momento está a ser apresentada uma obra de Pablo Montoya, que é um dos mais importantes escritores colombianos, e em simultâneo há a apresentação de um livro de cuidados de beleza. Um dos grandes êxitos desta feira é ter criado nas pessoas a percepção de que não se trata de um evento elitista. Qualquer um pode chegar e encontrar um livro com que se identifique, sem ter vergonha de não conhecer ou não gostar de certo tipo de livros.

A Feira trata com igual dignidade um grande romance ou um livro de auto-ajuda?
Sim. Porque é evidente que não se chega a um certo nível de leitura de um dia para o outro, e portanto há que começar por algum lado.

Não está demonstrado que certo tipo de leituras leve a outras. Mas a filosofia da Feira é essa…
A filosofia da Feira é que o livro tem de circular. E não tem de haver uma política de gosto. O nosso objectivo é promover a leitura e o livro em si. Uma das frases que estão aí escritas nos cartazes é ‘Se não gostas de ler é porque ainda não encontraste o livro certo’.

Há pelo menos um livro para cada um de nós.
Sim, o que a Feira tem de ser é um espaço democrático onde cada um encontre o seu livro. Até temos uma secção de livros de culinária, com uma pequena cozinha para demonstrações. É uma feira que chega a todos os públicos, e essa a razão do seu grande êxito, com cerca de meio milhão de visitantes em duas semanas.

Isso torna-a diferente de outras grandes feiras internacionais.
Sim, eu acho que é diferente. Em programação cultural, esta é imbatível. Outras são mais fortes na componente profissional (Frankfurt, Guadalajara), esta é mais virada para o público. Mas estamos a começar a desenvolver essa faceta também. Este ano temos o primeiro salão do Direitos de Autor.

A evolução foi a de criar prestígio pela programação cultural e adesão do público, para depois, usando esse prestígio, avançar para uma componente de negócios.
Estamos a procurar evoluir nesse sentido, sem descurar o outro aspecto. Já se consolidou a Feira de Bogotá como o lugar por excelência de conferências e encontros literários, com a presença de escritores, agora falta a outra parte, profissional, de direitos de autor.

Essa é uma das novas linhas de evolução, sob a sua direcção?
Um dos eixos será a literatura infanto-juvenil, porque se trata dos leitores de amanhã, e o outro é desenvolver essa parte do negócio e dos direitos de autor. Jornadas para editores e compradores profissionais.

A Feira tem ajudado os autores colombianos?
Sim, tem promovido os leitores e os escritores, que se tornam notícia na comunicação social. Quando lançam um livro aqui, têm enorme atenção.

E como se faz a promoção dos autores estrangeiros? O que explica o boom da literatura portuguesa na Colômbia, desde que Portugal foi o país convidado da FILBO, em 2013?
Deve-se muito à forma como foi organizado o pavilhão português na altura, e o esforço de tradução que foi feito. Vieram cerca de 40 autores. As pessoas aqui só conheciam Portugal por Fátima e Cristiano Ronaldo. Mas depois qualquer coisa mudou. As pessoas chegaram, perceberam que havia ali um país ao lado de Espanha, mas que não era Espanha, e que tinha um mundo literário que valia a pena conhecer.

Houve grandes apoios?
Vieram uns 10 mil livros, foram feitas 40 traduções em edição local, com apoio do Estado português. Jerónimo Pizarro (catedrático de cultura portuguesa em Bogotá) também tem feito um esforço enorme na divulgação da cultura portuguesa. O Instituto Camões fez um follow-up muito inteligente do trabalho, depois da feira. Essa conjugação de esforços gerou uma dinâmica em volta da literatura portuguesa. Os autores começaram a vir também a outros festivais.

Esse trabalho incidiu mais em certos autores em particular, ou na promoção da cultura portuguesa em geral?
Uma coisa leva à outra. Quando as pessoas conhecem um autor, isso leva-as a descobrir outros. Ainda hoje recebi aqui a directora da feira de Guadalquil, no Equador. Quando lhe disse que era português ela respondeu logo: Estou desesperada por conhecer o trabalho de Gonçalo M. Tavares, de que me disseram maravilhas’. Eu indiquei-lhe o stand português. Quando voltou, tinha comprado uma série de livros do Gonçalo, e também do Valter Hugo Mãe, e outros.

Há alguma característica da nova literatura portuguesa que vá de encontro aos gostos dos colombianos, ou um trabalho semelhante noutros países levaria a resultados equivalentes?
Não há nenhuma fórmula mágica. A literatura portuguesa tem qualidade universal. Um trabalho contínuo e sistemático levará sempre a resultados positivos.

Uma feira como esta em Portugal seria útil à literatura portuguesa?
Útil seria sempre, porque, além de ajudar os escritores, promove a leitura.

Os festivais literários de menor dimensão, que se realizam em Portugal, servem para alguma coisa?
Todos os festivais literários são importantes. E quanto menor for a população do local onde se realizem, mais importantes são, porque lançam sementes.

O PÚBLICO viajou a convite da agência Invest in Bogotá

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