Paris, cidade da arquitectura portuguesa

Abertura da exposição Les universalistes, na capital francesa, sobre o último meio século da arquitectura portuguesa foi acompanhada in loco por vários dos seus protagonistas, que deram testemunho e debateram as suas experiências e visões.

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Nuno Portas, Alexandre Alves Costa e Álvaro Siza na exposição Les universalistes Change is Good
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Exposição Les universalistes Change is Good
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Exposição Les universalistes Change is Good

A arquitectura portuguesa está, por estes dias, em plano de destaque em Paris. Há também as exposições de Helena Almeida, Corpus, no museu Jeu de Paume (até 22 de Maio); de Julião Sarmento, La chose, même, na delegação da Fundação Gulbenkian (até 17 de Abril); e de Ana Jotta, Ti re li re, no espaço Le Crédac, nos arredores parisienses de Ivry-sur-Seine (até 26 de Abril). Há as encenações de Tiago Rodrigues, Bovary, no Teatro da Bastilha, e de Emmanuel Demarcy-Mota, Six Personnages en Quête d’Auteur, de Pirandello, no Théâtre de la Ville. A Cinemateca Portuguesa recebeu, esta segunda-feira, o Prémio Henri Langlois pelo seu trabalho em prol da preservação, restauro e divulgação de tesouros cinematográficos. E Cristiano Ronaldo foi o tema de capa, na semana passada, do magazine do jornal L’Équipe

Mas, neste início de semana, é de arquitectura portuguesa que se fala. O pretexto, a inauguração oficial, na tarde desta terça-feira – a abertura ao público é na quarta –, da exposição Les universalistes, uma iniciativa da Fundação Gulbenkian e da Cité de l’Architecture et du Patrimoine (CAP – que acolhe a exposição), ainda no programa dos 50 anos da presença da fundação na capital francesa.

A cerimónia de inauguração, que foi bastante concorrida e contou com a presença de Artur Santos Silva, presidente da Gulbenkian, sucedeu a um encontro de arquitectos portugueses – Álvaro Siza, Gonçalo Byrne, Alexandre Alves Costa, Sérgio Fernandez, Eduardo Souto de Moura – com a imprensa francesa, que quis saber o que é que a arquitectura portuguesa podia dar aos franceses.

Nada de especial, até porque “não há uma arquitectura portuguesa, mas um modo português de fazer arquitectura”, defenderam uns; outros falaram de frescura, poesia, realismo e adequação às necessidades. Outros ainda acham que não há uma arquitectura portuguesa…

Já a exposição, comissariada por Nuno Grande, passa em revista o último meio século da arquitectura portuguesa na sua vocação mais universalista – com “u” minúsculo, como o próprio já explicou ao PÚBLICO, a demarcar-nos do iluminismo francês hoje posto em questão. Dá a ver 50 projectos de outros tantos arquitectos (individualmente ou em parcerias), desde o início da década de 60, seguindo em cinco capítulos – (inter)nacionalismo, colonialismo, revolução, europeísmo e globalização – a própria história do país.

É esse, de resto, um dos trunfos desta mostra, que, como disse ao PÚBLICO Guy Amsellem, presidente da CAP, no final da primeira visita guiada para os convidados, “situa a prática da arquitectura num conceito mais vasto das suas raízes históricas e culturais”, não sendo apenas, como muitas vezes acontece, “uma mera operação de promoção à exportação” a partir de “obras e projectos muito bonitos”.

Numa das salas da CAP, e franqueado um hall cujas paredes estão decoradas com imagens históricas desse processo arquitectónico português, ao visitante é simultaneamente proposta uma viagem à prática da disciplina, mas também à História de Portugal desse período, introduzida por um texto e uma entrevista de Eduardo Lourenço.

“Não habitávamos num país real, era mais uma espécie de ‘Disneylândia’ sem escândalo, sem suicídio nem verdadeiro problema”, escreve o filósofo num texto intitulado Psicanálise mítica do destino português, que faz o retrato do país do tempo do Estado Novo.

País da mistura

Um diaporama com fotografias de Alfredo Cunha e uma série de cartoons de João Abel Manta enquadram a exposição, no eixo da sala, dos 50 projectos com maquetas, desenhos, plantas, textos e fotografias, que vão desde o edifício-sede da própria Fundação Gulbenkian, em Lisboa (Alberto Pessoa, Ruy d’Athouguia e Pedro Cid) até ao Centro de Criação Contemporânea Oivier Debré, que os irmãos Aires Mateus projectaram para a cidade francesa de Tours e que se encontra em fase final de construção e com inauguração prevista para Setembro.

Sem surpresa, Álvaro Siza assina o maior número de projectos expostos –  oito –, e, presente em Paris, tornou-se também o centro de todas as atenções e referências. Anti-star (e anti-archi-star) por natureza e modo de vida, o autor da Faculdade de Arquitectura da Universidade do Porto justificava essa situação pela sua idade, enquanto pacientemente aceitava dar autógrafos e pousar para fotografias com muitos dos presentes. “Primeiro, a responsabilidade é de quem escolheu [Nuno Grande], depois, acontece é que eu sou o mais velho”, disse ao PÚBLICO, lembrando também que a importância de um arquitecto não se mede pela quantidade, mas pela qualidade dos seus projectos, e referindo os sucessivos prémios e vitórias em concursos que colegas seus, de gerações mais novas, vêm conquistando pelo mundo fora.

E muitos desses arquitectos – Nuno Portas, Gonçalo Byrne, Alexandre Alves Costa, Eduardo Souto de Moura, Manuel Aires Mateus, João Luís Carrilho da Graça – não só se deslocaram também à CAP, como participaram, na segunda-feira, numa longa jornada de apresentação de projectos e de debate sobre temas como o Programa SAAL, o pós-modernismo ou a globalização.

O colóquio decorreu na mítica sala da Cinemateca Francesa do tempo de Henri Langlois, no icónico edifício Trocadero que faz uma espécie de guarda de honra arquitectónica, do outro lado do Sena, à Torre Eiffel. Com a plateia praticamente cheia em todas as sessões, maioritariamente com alunos de escolas de Arquitectura, o colóquio permitiu completar, com testemunhos ao vivo dos seus protagonistas, a panorâmica documentada em Les universalistes.

Guy Amsellem, que começou por citar Miguel Torga – “O universal é o local sem muros” –, e Artur Santos Silva abriram os trabalhos com elogios aos arquitectos. O presidente da Fundação Gulbenkian defendeu mesmo que a arquitectura é “o melhor do Portugal contemporâneo”. “Não há no nosso país outra profissão que tenha conseguido tão relevante prestígio internacional, sobretudo com obras realizadas no estrangeiro, em regra no quadro e na sequência de concursos internacionais abertos e plenamente competitivos”, justificou o banqueiro, que confessaria também "ter ainda o sonho de se formar em Arquitectura”.

Depois de Nuno Grande ter mostrado e contextualizado os principais nomes da história que a sua exposição narra, a sessão da manhã foi dominada pelo programa SAAL. Tanto Siza como Alexandre Alves Costa, dois dos protagonistas do SAAL-Norte, como o investigador José António Bandeirinha mostraram que este programa de alojamento e habitação social, que decorreu durante escassos dois anos logo a seguir ao 25 de Abril de 1974, teve uma existência própria e à margem do processo mais imediatamente político da Revolução.

Tratou-se – lembrou Alves Costa –, de algum modo, de tentar “concretizar o impossível”, como reclamado pelo Maio de 68: “A ideia de que era possível desenhar um novo país para os seus oito milhões de habitantes.” E Siza, que desarmou um certo heroísmo que é atribuído à sua intervenção no processo – “Como eu não tinha trabalho no meu escritório, e os meus alunos me convidaram, decidi entrar…” –, voltou a realçar a importância do “diálogo directo, em discussões violentas, mas autênticas, com os habitantes”, tendo em vista o desenho das casas que eram para eles.

Bandeirinha explicou isso mesmo mostrando o caso concreto do Bairro de S. Victor, no centro histórico do Porto, de que Siza foi o autor.

O tema do segundo painel – Para além do debate moderno pós-moderno – proporcionou o momento mais animado, com o professor e crítico Jorge Figueira, que abriu a sua comunicação com a capa do disco de António Variações Povo que lavas no rio, a defender a importância do pós-modernismo, e a contrariar uma intervenção do escritor Dominique Machabert, que elogiou “o universalismo e o pragmatismo poético” da arquitectura portuguesa como algo único no mundo.

“Há um pouco essa ideia de uma autenticidade”, uma espécie de “bom selvagem”, quando se fala da arquitectura portuguesa, argumentou Figueira, defendendo, ao contrário, que esta é uma “manipulação” que esquece que a arquitectura portuguesa “tem várias cabeças” e várias expressões, e reivindicando Souto de Moura como um exemplo de arquitecto pós-moderno.

Ao lado, o autor do Estádio de Braga disse que os “ismos” são sempre “uma questão de gosto”. “Adoptei o modernismo como estilo, não como ideologia”, disse Souto de Moura. E acrescentou: “Do que gosto no meu país é da mistura; como estamos longe do centro da Europa, quando as coisas cá chegam, já são misturas, e chegarmos tarde a elas pode até ser uma vantagem.” E depois mostrou e explicou os seus projectos de dois crematórios que desenhou para a Bélgica, em Kortrijk e Crevene, e um – apenas uma ideia – para o Porto.

O terceiro painel reuniu Carrilho da Graça, Manuel Aires Mateus e o francês Vincent Parreira (autor da remodelação da Casa de Portugal André Gouveia, na Cidade Universitária em Paris) em volta da globalização. A professora e historiadora Ana Tostões deu uma longa lição sobre a história da arquitectura portuguesa. Aires Mateus mostrou e falou de quatro projectos que o seu atelier tem curso entre França (Centro de Artes em Tours e o Centro Muçulmano, ainda em discussão, em Bordéus), a Bélgica (Escola de Arquitectura em Tournai) e a Suíça (dois museus em Basileia).

Em declarações ao PÚBLICO, o arquitecto admitiu que a exposição em Paris e o programa que lhe está associado podem ajudar a internacionalizar ainda mais a arquitectura portuguesa, mas alerta para o facto de que “nunca será fácil para um arquitecto português competir com o importante preconceito Norte-Sul, que marca não apenas a Europa, mas o mundo em geral”.

Vista a partir de Paris, e segundo o olhar de Guy Amsellem, Les universalistes “vai também ajudar o público francês a situar-se, ele próprio, num mundo globalizado”. E a pôr-se a questão acrescenta o presidente da CAP: “O que fazermos como nação? O que é que nos une? Qual é a nossa relação com a história e com o outro?”

Isso significa que a mensagem de Nuno Grande já começou a passar.

 

O PÚBLICO viajou a convite da Fundação Calouste Gulbenkian

 

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