Para o Rio de Janeiro só nos lembrámos do Galo de Barcelos

Assim não vamos mesmo a ser capazes de transmitir no Brasil a imagem de um Portugal moderno.

António Costa tem vindo a colocar a questão da lusofonia no centro das prioridades políticas, aposta que há uns tempos enriqueceu com a proposta de um “Schengen Lusófono”, proposta que, a concretizar-se, pode vir a ser um instrumento fundamental para facilitar o contacto, a troca de ideias e o lançamento de projectos ponte que contribuam para reforçar as teias de cumplicidades entre as pessoas e parceiros dos diferentes países e comunidades de língua portuguesa. Uma prioridade que tem vindo a reafirmar noutras intervenções, nomeadamente quando, ainda na Câmara de Lisboa, mostrou um enorme orgulho na possibilidade dada à cidade de Lisboa de se associar à celebração dos 450 anos do Rio de Janeiro, e, mais recentemente, na visita ao Brasil, nomeadamente na visita ao Real Gabinete de Leitura, no Rio, e aos trabalhos preparativos da exposição de arte contemporânea portuguesa patente no Museu Afro-brasileiro de São Paulo e onde se felicitou pelo facto de estarmos “a transmitir no Brasil a imagem de um Portugal moderno”.

Mas se é um sinal positivo assumir a lusofonia como uma prioridade, ela tem que se traduzir em actos que sejam muito mais que declarações de intenções, tem que ser capaz de provocar dinâmicas novas, tal como fizeram todos aqueles que ao longo da história foram capazes de contribuir para que este ADN que a língua portuguesa espalhou por todo o mundo se reforce. Actos e dinâmicas que mostrem que há empenho e mobilização para superar a ausência total de pensamento e estratégia de Portugal no interior do universo da língua portuguesa e da lusofonia, ausência que nos fez, e ainda faz, andar sem rumo, navegar à vista e embarcar numa série de aventuras inconsequentes e desastrosas.

Lisboa participou nas comemorações dos 450 anos do Rio enviando um galo de Barcelos da Joana Vasconcelos para ocupar provisoriamente uma praça duma cidade que passou por um enorme processo de renovação, nomeadamente na zona ribeirinha onde pontua o museu do Amanhã, uma obra de Calatrava, com muitas semelhanças com o que em Lisboa se passou aquando da Expo. Quando a memória da origem do Rio é portuguesa, quando o projecto de renovação urbana reaviva e reforça essas memórias trazendo-as para a actualidade, os 450 anos do Rio teriam sido o momento para aprofundar estas novas pontes e pontos de contacto, poderia ter sido a grande oportunidade para que a beleza do Real Gabinete de Leitura pudesse levar a que se apostasse na renovação da sua envolvente, praça Alexandre Herculano e rua Luiz de Camões, que é o exemplo mais acabado de degradação urbana. Mas a nossa imaginação só deu para o galo de Barcelos, o que é, no mínimo, pobre, muito pobre.

Assim não vamos mesmo a ser capazes de transmitir no Brasil a imagem de um Portugal moderno, por muito que o discurso oficial nos queira convencer disso.

Encenador e professor

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