Os que olham para a Cultura além de António Costa

Parafraseando o título do texto que escrevemos para comentar o aumento do orçamento da Cultura para 2017, há pessoas que decidiram olhar para a nossa Cultura, além do primeiro-ministro. Uma delas é uma galeria britânica especializada em arte africana, a Entwistle, que propôs ao Museu Municipal de Faro comprar uma escultura africana da sua colecção, que é pública, por dois milhões de euros.

O museu chama-lhe um dos seus tesouros escondidos, o que não é só uma metáfora por a peça estar guardada nas reservas. O seu director conta-nos que nunca quis vendê-la, apesar de o assunto ter chegado a ser apreciado pela reunião do executivo da Câmara de Faro.

Esta história improvável que permite pôr à discussão a venda de uma importante peça de um museu municipal português só pode ser vista como um grande embaraço. A peça está presente nos catálogos mais importantes sobre arte africana que foram publicados em Portugal e é, também, um tesouro angolano.

Não vamos sequer aqui tentar discutir como é que os nossos museus com colecções de etnologia, os primeiros que devem pensar estas questões pós-coloniais, porque são depositários de um património que muitas vezes foi saqueado, enfrentam o problema ético de vender uma peça que pode ser reivindicada por Angola. Foi por isso que o antigo director do Museu Nacional de Etnologia, Joaquim Pais de Brito, se recusou a classificar qualquer das suas peças como um tesouro português.

Esta questão é um pouco mais pré-moderna e levanta problemas no curto prazo, com a abertura das nossas instituições culturais a um turismo global: há pessoas que olham para a nossa cultura não pelas boas razões, mas com uma cobiça que não está muito longe dos equívocos do período colonial, seja britânico ou português.

O director do Museu de Arte Antiga, António Filipe Pimentel, disse em Setembro que “andávamos a brincar ao património”, porque não há gente suficiente para vigiar os museus portugueses, e depois pediu desculpa ao ministro da Cultura pela sinceridade de ter anunciado “uma calamidade”. Houve, de certa maneira, um contentamento entre a comunidade museológica pelo facto de o “Museu nº 1” ter tido uma escorregadela, quando se discute a sua autonomia e tratamento diferenciado relativamente a todos os outros museus, e perdeu-se uma oportunidade para enfrentar aquilo – e muito mais – de que todos se queixam em privado.

O que António Filipe Pimentel quis dizer, antes do tempo, é que há muita gente nova a olhar para a nossa Cultura e não obrigatoriamente com o estrondo de querer comprar o mediático nkisi nkondi do Museu de Faro. Talvez da próxima vez ninguém dê por isso.

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