Os jovens como protagonistas da mudança nos Dias da Música do CCB

O verso do célebre Soneto de Camões Mudam-se os tempos serviu de mote à edição de 2014, a música e o cinema serão a aposta para 2015. Um percurso por alguns dos mais aliciantes concertos deste ano.

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Dias da Música Rita Carmo
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A oitava edição dos Dias da Música, que terminou no domingo no Centro Cultural de Belém, ficou marcada pela ampla participação de jovens músicos, vários deles com uma qualidade assinalável.

Com a criação de ciclos paralelos como os Mini Dias da Música e Projectar o Futuro com Arte, nos quais actuaram 483 alunos de música de vários níveis, oriundos de cerca de meia centena de escolas, conservatórios  e academias de todo o país, essa presença das novas gerações constituiu um testemunho da actual pujança do ensino da música em Portugal. Mas também no âmbito dos 63 concertos oficiais, a presença de jovens intérpretes foi bastante significativa, desde estrelas em ascensão como o pianista Jan Lisieski a projectos de inserção social através da música como a Orquestra Juvenil Geração, passando por agrupamentos que pretendem fazer a ponte para o circuito profissional como a Orquestra de Câmara Portuguesa ou a Sinfónica Juvenil.

A taxa de ocupação deste ano foi de 79,91 por cento (correspondendo a 22.222 bilhetes vendidos dos 27.809 disponíveis), tendo atingido 97,3 por cento no caso do projecto educativo Fábrica das Artes, coordenado por Madalena Wallenstein. O tema Mudam-se os tempos, que orientou a edição de 2014 dará lugar em 2015, à mundo da música no cinema, sob o título Luzes, Câmara, Música.

Como contraponto à já referida profusão de jovens intérpretes, a figura do pianista Paul Badura-Skoda, actualmente com 86 anos e detentor de uma imponente carreira como intérprete e como estudioso dos Clássicos vienenses, despertou grande atenção junto do público. Se a sua actuação com os Músicos do Tejo no sábado teve alguns percalços, no recital a solo que deu no domingo mostrou muito da sua antiga arte, no entanto ligeiras imprecisões técnicas não ofuscaram a concepção geral de obras como a Sonata de Haydn e a parte final da Barcarola de Chopin. Na Suite op. 14, de Bartók, e na Fantasia que Frank Martin lhe dedicou Badura-Skoda chegou a ser surpreendente e como primeiro encore apresentou uma versão impecável de delicada poesia do Nocturno em Dó sustenido menor, póstumo, de Chopin.

No sábado ao final da tarde, o Ensemble Mediterrain, formado por jovens músicos profissionais que tocam em diversas orquestras alemãs, distinguiu-se pelo altíssimo nível técnico e artístico que demonstrou na interpretação do Quarteto nº13, op. 130, e da Grande Fuga op. 133, de Beethoven. A coesão entre os diversos elementos do quarteto foi exemplar, assim como o controlo da ampla paleta dinâmica. Como é sabido, a Grande Fuga era originalmente o último andamento do Quarteto nº 13, mas o editor achou a obra demasiado ousada e pediu a Beethoven para a substituir por “algo mais convencional”. O violoncelista Bruno Borralhinho, director artístico do grupo, dirigiu-se ao público para perguntar qual dos finais preferia ouvir depois de os quatro músicos mostrarem os compassos iniciais de cada um. Ganhou a Grande Fuga, mas o Ensemble Meditterain acabaria por tocar os dois andamentos. 

Apesar do tema da “mudança” não ter sempre uma correspondência evidente em todos os programas destes Dias da Música e do exagero do slogan “Compositores que mudaram a história do mundo” — sobretudo quando aplicado a todos os perfis possíveis de criadores — no caso dos visionários últimos Quartetos de Beethoven a escolha é pertinente. O mesmo se pode dizer das Vésperas da Beata Virgem, de Monteverdi, apresentadas pelo Ludovice Ensemble, dirigido por Miguel Jalôto, numa versão em que o único suporte instrumental foi o órgão, a tiorba e a harpa. Esta concepção mais camarística, que dá primazia à vertente da seconda prattica (ligada ao baixo contínuo e às novas concepções musicais do Barroco) era um grande desafio, sobretudo porque a memória sonora de inúmeras versões de referência com o instrumental completo é muito forte. No entanto, funcionou muito bem e foi calorosamente acolhida pelo público. Contou também com um óptimo grupo vocal, onde se destacou a magnífica prestação do tenor Jan Van Elsacker — pela limpidez da linha do canto e pela eloquência expressiva — mas também outros cantores de grande nível como a soprano Raquel Andueza, o tenor Fernando Guimarães ou o baixo Romain Blocker.

Ao Ludovice Ensemble se deve ainda o interessante e raro programa O Salão de Maria Antonieta: Banda Sonora de uma Revolução, com música de Rosseau (o filósofo), Schobert, Gluck, Mozart, Piccini, Sacchini, Balbastre e da própria Rainha. Nas peças vocais a soprano Orlanda Isidro mostrou uma elegante expressividade e uma dicção muito clara do francês e houve ainda lugar para exibições instrumentais de grande brilho no Quarteto II, de Schobert, e na Sonata K. 303, de Mozart, esta última Miguel Jalôto ao cravo e Adriana Alcaide no violino. A Marche des Marsellois e a ária Ça-Ira, em arranjos de Claude Balbastre, evocou os bravos defensores da República Francesa em 1792, mas o “encore” fez ressuscitar Maria Antonieta, através da sua delicada canção C’est mon ami.

Um outro programa bem representativo dos “tempos de mudança” na História da Música foi o que os cravistas Cristiano Holtz e Miklos Spanyi dedicaram a Carl Philipp Emanuel Bach, de quem se comemora este ano o tricentenário do nascimento. É uma pena que a imaginativa música deste compositor, a quem Holtz dedicou recentemente um excelente CD, não seja mais interpretada. Esta foi pois uma rara oportunidade. Os dois músicos revelaram grande sensibilidade e criteriosas opções colorísticas nas selecções dos registos do cravo nas Sonatas a solo e uma notável sincronia (no plano do ritmo, das articulações e da fluência do discurso musical) nos Duetos e na Trio Sonata em versão para dois cravos.

Quanto ao concerto de encerramento, pela Orquestra Sinfónica Metropolitana, dirigida por Pedro Amaral, ficou na memória pela prestação do trompista Abel Pereira como solista no Concerto nº 2, de Richard Strauss. O seu sólido domínio do instrumento em passagens de grande exigência técnica e a beleza da sonoridade (especialmente nos pianíssimos) e dos fraseados tiveram como prémio uma entusiástica reacção do público. Os metais da Metropolitana corresponderam com empenho aos desafios da Sinfonietta, de Janácek, no final de um programa que abriu com uma interpretação algo linear do famoso Adagietto, da Sinfonia nº5, de Mahler. Celebrizado por Visconti na banda sonora do filme Morte em Veneza, fez assim a ponte para o tema do próximo ano.

 

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