O Urso de Ouro de Berlim foi para a Hungria e a melhor curta é portuguesa

Embora Colo de Teresa Villaverde não tenha tido nenhum prémio, Portugal não saiu do certame de mãos a abanar.

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Reuters/AXEL SCHMIDT

On Body and Soul de Ildiko Enyedi é o vencedor da 67.ª edição do festival alemão, que premiou ainda Aki Kaurismäki, Alain Gomis e Agnieszka Holland. Diogo Costa Amarante é o terceiro realizador português a trazer para casa o Urso de Ouro das curtas, por Cidade Pequena.

Embora Colo de Teresa Villaverde não tenha levado nenhum prémio — e a própria realizadora confessara ao PÚBLICO não o esperar —, Portugal não saiu de mãos a abanar do certame. Pelo contrário: pelo segundo ano consecutivo, o Urso de Ouro das Curtas é um filme português — depois de Balada de Um Batráquio de Leonor Teles em 2016, é a vez de Diogo Costa Amarante com Cidade Pequena, naquela que é a segunda passagem do realizador português em Berlim após As Rosas Brancas em 2014. Uma vitória tanto mais surpreendente quanto esta modesta produção sobre os ecos da infância era uma das poucas curtas do programa que já tinha circulado por outros festivais. Costa Amarante é o terceiro cineasta português a receber o prémio máximo das curtas de Berlim na última década, depois de Leonor Teles e João Salaviza (por Rafa em 2012). Outra das quatro curtas portuguesas a concurso, Os Humores Artificiais de Gabriel Abrantes, recebeu a nomeação do júri berlinense para os Prémios Europeus de Cinema.

A 67.ª edição da Berlinale entregou o Urso de Ouro ao filme húngaro de Ildiko Enyedi On Body and Soul. O júri presidido pelo realizador holandês Paul Verhoeven atribuiu o Grande Prémio do Júri a Félicité, do franco-senegalês Alain Gomis; Aki Kaurismäki foi o melhor realizador por The Other Side of Hope, e os prémios de representação foram para a coreana Kim Min-hee e para o austríaco Georg Friedrich. Portugal, que estava a concurso com Colo de Teresa Villaverde, traz para casa o Urso de Ouro das curtas-metragens, pelo segundo ano consecutivo, com Cidade Pequena de Diogo Costa Amarante.

O júri de Verhoeven, completado pelas actrizes Julia Jentsch e Maggie Gyllenhaal, pela produtora Dora Bouchoucha Fourati, pelo actor Diego Luna, pelo artista Olafur Eliasson e pelo cineasta Wang Quan’an, não hesitou em esquivar-se às previsões dos observadores. On Body and Soul, romance surreal entre dois funcionários de um matadouro de Budapeste que dão por si partilhando sonhos, foi o primeiro dos 18 filmes a concurso a ser exibido e um dos que mais dividiram a crítica e os observadores; é o primeiro filme em 15 anos da húngara Ildiko Enyedi, vencedora da Câmara de Ouro em Cannes em 1999 por O Meu Século XX, e recebeu igualmente os prémios do Júri Ecuménico e do Júri Fipresci da Associação Internacional de Críticos de Cinema.

O favorito da crítica, The Other Side of Hope do finlandês Aki Kaurismäki, que vive parte do ano em Portugal, recebeu o Urso de Prata para melhor realização. Fiel à sua reputação de excentricidade, o realizador não subiu a palco e ficou no seu lugar na plateia do Berlinale Palast, fazendo vénias aos seus actores e ao público. Foram Dora Fourati e Dieter Kosslick que tiveram de lhe vir entregar o galardão ao lugar.

Palmarés pouco político

Os prémios de interpretação foram para a sul-coreana Kim Min-hee, actriz em recuperação de um affaire romântico na mais recente miniatura de Hong Sang-soo, On the Beach at Night Alone, e para o austríaco Georg Friedrich, engenheiro que reaprende a lidar com o filho durante uma viagem à Noruega para enterrar o pai em Bright Nights do alemão Thomas Arslan. As escolhas fizeram notar a ausência do palmarés da transexual Daniela Vega, cuja interpretação “faz” Una Mujer Fantástica. O Grande Prémio do Júri coube a Félicité, onde Alain Gomis acompanha as tribulações de uma cantora de Kinshasa e da sua família; o prémio para melhor contribuição artística foi entregue à montadora do filme romeno Ana, mon Amour, Dana Bunescu.

Por uma vez, este foi um palmarés que não carregou excessivamente na política — falou-se mais dela durante a cerimónia do que nos filmes premiados. Ao entregar o prémio para melhor documentário ao filme do palestiniano Raed Andoni Ghost Hunting, uma reconstrução dos interrogatórios israelitas a prisioneiros palestinianos na prisão de Moskobiya, Laura Poitras, realizadora de Citizenfour e membro do júri de documentário, citou a acusação de Donald Trump de a “imprensa ser inimiga do público”: “Nós somos inimigos do nacionalismo e da exclusão.” A polaca Agnieszka Holland, ao receber o Prémio Alfred H. Bauer para “um filme que abre novas perspectivas ao cinema” pelo seu bizarro (e muito mal recebido) thriller ecológico Spoor, disse: “Vivemos em tempos difíceis e precisamos de filmes corajosos.” Sebastián Lelio e Gonzalo Maza, vencedores do Urso de Prata de melhor argumento por Una Mujer Fantastica, falaram da necessidade do amor para lutar contra o medo e contra a escuridão. E o director do festival, Dieter Kosslick, evocou o jornalista alemão Deniz Yucel, que foi ontem preso na Turquia.

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