O que podem ser o design e a arquitectura no século XXI? Portugal entra na conversa em Milão

Programa da representação portuguesa na 21.ª Trienal Internacional de Milão é apresentado esta quarta-feira. De Álvaro Siza aos alunos da ESAD, haverá arquitectura efémera, vídeos e projectos que mostram a mudança, do social ao artesanal.

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Workshop O Objecto Reinventado de Paolo Deganello DR
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Giancarlo de Carlo com os manifestantes na Triennale de 1968 Triennale
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Workshop O Objecto Reinventado com Fernando Brízio DR
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A maquete de Extemporary Capsule DR
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Projecto do Ateliermob DR

A 21.ª edição da Trienal Internacional de Milão nasce das cinzas de uma outra edição que nunca existiu, atropelada pelo Maio de 1968, e atira-se agora ao século XXI e ao que mudou e pode mudar no design e na arquitectura. Design After Design, propõe o evento italiano, que reúne a partir de 2 de Abril países, instituições, cidades ou ateliers numa reflexão sobre os efeitos da tecnologia e da crise recente nestas disciplinas de projecto. A resposta portuguesa é Objects After Objects, arquitectos e designers consagrados e novos projectos e autores até Setembro na Triennale di Milano.

A programação da representação portuguesa dialoga directamente com o conceito da Trienal XXI. Naturalmente mais focada na arquitectura, inclina-se em 2016 para o design e para a ideia de escola, criando pontes com a sua própria memória – uma remissão para a sua histórica edição de 1968, “uma trienal-fantasma”, como descreve o comissário geral da representação portuguesa, José Bártolo, por ter sido invadida, ocupada e destruída por estudantes nesse ano quente. Em 1968, com o arquitecto italiano Giancarlo de Carlo como curador, a trienal queria falar da crise social desses anos, mas foi imediatamente arrasada pela onda da contestação estudantil. Quase 50 anos depois, “a XXI Triennale recomeça a partir” dela, como refere nos textos curatoriais do projecto Roberto Cremascoli – curador, com Maria Milano, de Objects After Objects.

O que é então Objects After Objects, o projecto português em Milão? São cinco módulos, um deles habitado por entrevistas em vídeo de mestres da arquitectura portuguesa no seu habitat natural – as suas casas – que juntos querem ser um contributo para “discutir aquilo que pode ser a cultura de projecto, a arquitectura e o design do século XXI, mostrando alguns exemplos que possam mostrar tendências ou expressões mais fracturantes ou inovadoras”, o que está a mudar as disciplinas, diz ao PÚBLICO José Bártolo. A Escola Superior de Artes e Design de Matosinhos (ESAD), onde preside ao conselho científico e é investigador, é a organizadora desta presença portuguesa na Triennale com promoção do Ministério da Cultura e da Direcção-Geral das Artes.

Quem são os mestres do design português?
Tudo começou com um “convite informal da Trienal” aos seus contactos na ESAD para que houvesse uma representação portuguesa no evento e o então secretário de Estado Jorge Barreto Xavier teve “vontade política” de que ela existisse mas também “incapacidade financeira”, descreve José Bártolo. O Governo participou com 30 mil euros e o primeiro patrocinador privado foi o diário italiano Corriere della Sera, que com 39 mil euros paga o espaço expositivo no Museu Nacional da Ciência e Tecnologia Leonardo da Vinci. Juntaram-se mecenas, das cortiças da Sofalca que vão estar na peça de “arquitectura efémera e arte pública” à porta do museu às luzes da Softlight, passando pelas estruturas da RAR Imobiliária ou projecto da Design Factory, mais parceiros institucionais como as câmaras do Porto e Matosinhos e, potencialmente a de Lisboa – a captação de investimento para os eventos mensais que a organização quer programar continua.

A programação, que é apresentada esta quarta-feira em Lisboa, passa por O Objecto Reinventado – novos objectos nascidos de workshops na ESAD orientados por arquitectos como Paolo Deganello e designers como Fernando Brízio – ou Extemporary Capsule, o projecto de microarquitectura que fará parte da própria estrutura expositiva de Portugal no evento pelas mãos de estudantes da ESAD e do Politecnico di Milano. Pensam-se as Novas Práticas em Arquitectura de gabinetes como o Ateliermob ou o JQTS, exemplos de trabalhos ligados à intervenção social ou performativa e, num quarto módulo, as Novas Práticas do Design, com trabalhos que focam a autoria ou novas abordagens aos sectores produtivos tradicionais como o do vidro ou o do mobiliário, com nomes como o de Marco Sousa Santos ou Joana Santos Barbosa.

No passado o design “sempre foi considerado um derivado da arquitectura e uma sua consequência” em Portugal e “o design português é, em grande parte, ainda representado pelos mestres da arquitectura”, como escreve a comissária Maria Milano nos mesmos textos curatoriais do projecto. Mas, continua, o presente e o futuro trazem consigo a possibilidade de outras gerações encetarem novas práticas de projecto e preocupações com o “real”, o “social" e com "as problemáticas ambientais”. Em parte, foi a crise que os levou para esses territórios. Se os arquitectos passaram a trabalhar mais por conta de outrem, a emigrar e a ver a encomenda pública diminuir, também os designers foram marcados na sua praxis pela crise.

“O projecto passou a fazer-se menos da dependência da encomenda, que começou a escassear”, diagnostica José Bártolo, e os designers tentaram encontrar soluções – uma delas “foi uma aproximação a processos produtivos com uma caracterização forte no contexto português, por exemplo, a aproximação à produção do vidro e da cerâmica, em que há uma dimensão de artesania e de relação de escala humana com a peça e com o projecto muito importante”. Aumentam os “projectos auto-iniciados, os projectos de autor, em que o designer controla todo o processo”. E surgem alternativas, “objectos com maior expressão identitária, mais autorais e mais comunicativos" do que são "os materiais, os processos de produção”e “em contraciclo com o design global, mais anónimo”.

Objects After Objects não é um manifesto, nem uma denúncia de um estado de coisas ou um elogio aos resultados do contexto, responde Bártolo, mas “há uma contextualização política” dos objectos que vão até Milão, “é incontornável” olhá-los e “pensar nesta triangulação entre design, economia política e cultura”.

Num pavilhão com 225 m2 e sendo a única a envolver uma instituição de ensino superior de design na sua representação, a participação portuguesa é muito também sobre a escola. Quiseram “pensar a ideia de escola, a força do movimento estudantil, associado a acções e discursos de reivindicação, de posicionamento crítico”, explica José Bártolo. As figuras tutelares por lá estão, sobretudo da arquitectura, “que tem um peso disciplinar, histórico, diferente”, reconhece o comissário, que quis equilibrá-la com o design nesta programação e que, tal como faz a Triennale este ano, enfatizá-lo. Por fim, então, há 13 Habitats, ou 13 entrevistas de arquitectos como os Pritzker Álvaro Siza e Eduardo Souto Moura, Gonçalo Byrne ou Carrilho da Graça sobre a sua relação com o espaço e com os objectos. 

Até 12 de Setembro, a Trienal vai cruzar-se com outros eventos europeus com a arquitectura portuguesa em destaque na Europa – na Bienal de Veneza (também com Cremascoli como co-curador) homenageia-se Álvaro Siza, que por seu turno é alvo da exposição Álvaro Siza, sacro no Museu Nacional da Arte do Século XXI (Maxxi) de Roma, com Paris a receber ainda a mostra Les Universalistes. Architecture Portugaise 1965 -2015 na Cité de l’Architecture. 

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