O que conta e nos canta a Catalunha

Um livro de Fèlix Cucurull e a presença de Lluis Llach celebram a cultura catalã esta quinta-feira em Lisboa, na Sociedade Portuguesa de Autores.

Dois dias antes do 25 de Abril, celebra-se na Catalunha desde 1456 o seu santo padroeiro, São Jorge, na “diada de Sant Jordi”. E desde 1926 que tal festa se viu misturada ao Dia do Livro, enchendo as ruas de bancas com livros e rosas – porque diz a lenda que do sangue do dragão morto por São Jorge para salvar a princesa nasceu um roseiral de rosas vermelhas. Ora este dia, que a Unesco transformou em 1995 em Dia Mundial do Livro e dos Direitos de Autor, traz-nos a Portugal não só a história da Catalunha mas também duas relevantes figuras da sua cultura. Uma em forma de livro, Fèlix Cucurull (1919-1996); outra em carne e osso, o cantautor (hoje deputado) Lluis Llach. Têm, ambos, ligações históricas a Portugal.

O primeiro, romancista, poeta, ensaísta e tradutor catalão, viveu aqui com uma bolsa da Fundação Gulbenkian entre 1963 e 1965 e colaborou em diversas publicações (Diário de Notícias, Diário de Lisboa, Colóquio Letras, etc.), traduzindo para catalão vários autores portugueses; o livro que dele agora se reedita e é hoje lançado na Sociedade Portuguesa de Autores, na mesma sessão onde será homenageado Lluis Llach, intitula-se Dois Povos Ibéricos – Portugal & Catalunha e foi editado originalmente em Portugal em 1975, com um apêndice (esta edição também o reproduz) escrito já após a portuguesa revolução dos cravos e intitulado “Anotações sobre Portugal”.

Já Lluis Llach, que tal como Cucurull também foi um forte opositor do franquismo, exilando-se durante os anos 1970 em Paris, integrou o movimento da Nova Cançó catalã (e, na génese deste, o grupo Setze Jutges) actuando nesse contexto em Lisboa, logo após o 25 de Abril, numa sessão de “Canto Livre” no Teatro São Luiz, no dia 24 de Maio de 1974; um mês depois, a pensar em Portugal, escreveu a canção Abril 74, que viria a ser gravada no seu disco Viatge a Itaca, de 1975 (preenchido em grande parte com uma versão musicada do poema homónimo do grego Konstandinos Kavafis).

Nas vozes de ambos, temos agora, entre nós, a voz da Catalunha. A ancestral e a moderna, do lado de Cucurull, cuja reedição pela Guerra & Paz nos permite aceder de modo crítico não só ao seu pensamento como ao dos autores que ele invoca, de Joan Maragall a Rivera i Rovira; e a contemporânea, no canto e no testemunho de Llach, com muitos discos gravados e alguns livros escritos – no final da homenagem desta quinta-feira na SPA está prevista uma intervenção sua.

Dois apontamentos, sobre Llach e Cucurull. O primeiro, na canção Abril 74, escreveu (todas as suas canções são em catalão): “Companys, si enyoreu les primaveres lliures,/ amb vosaltres vull anar,/ que per poder-les viure/ jo me n’he fet soldat” (“Companheiros, se buscais as primaveras livres/ quero ir convosco/ que para poder vivê-las/ me fiz soldado”). Mas há uma outra canção de Llach que rompeu todas as barreiras e se tornou, até, hino do sindicato polaco Solidariedade. Chama-se L’Estaca, fala de uma estaca “a que estamos todos atados”, impedindo-nos de andar, e no refrão, que milhões viriam a cantar de cor, diz: “Si estirem tots, ella caurà/ i molt de temps no pot durar,/ segur que tomba, tomba, tomba / ben corcada deu ser já” (“Se todos puxarmos, ela cairá/ Muito tempo não pode durar/ Seguramente que cai, cai, cai/ Bem podre deve estar já”).

Cucurull, por seu turno, lembra a saga histórica catalã desde os primórdios, as ligações a Portugal, os passos do iberismo e do catalanismo. Lembra os tempos em que a Catalunha e o Reino de Aragão dependiam do mesmo monarca, de dinastia catalã (falando catalão os reis e seus cronistas), lembra a antiguidade das Cortes da Catalunha (1214, anteriores ao Parlamento de Inglaterra, de 1265) e lembra depois como tudo começou a perder-se, quando Fernando de Aragão se casou com Isabel de Castela. A proclamação da República Catalã, em 1640, com a revolta dos segadors (ceifeiros), teve sucesso (Portugal aproveitou para restaurar a sua independência face à coroa espanhola), mas temporário. E foi já com o final da Guerra da Sucessão, em 1714, que “a unificação política de Espanha se tornou um facto.”

Ora sejam bem-vindos à Catalunha, mesmo que por um dia.

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