O Porto já dançava, agora Matosinhos e Gaia também se atiram ao palco: vêm aí os Dias da Dança

De 27 de Abril a 7 de Maio, o Festival DDD tratará de ligar a efervescente criação local ao país e ao mundo – e vice-versa.

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Aringa Rossa, de Ambra Senatore, é uma das âncoras internacionais deste festival focado na criação local VIOLA BERLANDA

Parece ser todo um novo mundo, a criação coreográfica feita a partir do Porto nestes últimos anos em que o Teatro Municipal Rivoli voltou a dançar (e a obter sucessivas lotações esgotadas com isso), mas continua a ser urgente torná-lo visível a olho nu para quem está de fora. Aí está o melhor dos motivos (há outros) para a operação inédita que as três cidades da Frente Atlântica (Porto, Matosinhos e Gaia) põem em marcha de 27 de Abril a 7 de Maio, o Festival DDD – Dias da Dança: há um novo mapa que é preciso pôr no mapa, do país e do mundo, defende o director artístico, Tiago Guedes.

Os DDD serão, portanto, um festival internacional (haverá seis espectáculos vindos de fora, todos em estreia nacional) porque é com essa dimensão que os coreógrafos locais merecem ser confrontados – para que uma cena gerada pela anormal proliferação de escolas profissionais artísticas e amplificada por renovadas condições de produção e de apresentação possa finalmente sair do armário. A italiana Ambra Senatore, coreógrafa em fulgurante ascensão que desde Janeiro dirige o Centre Choreógraphique National de Nantes, e o incontornável Raimund Hoghe, objecto de uma espécie de edição zero do festival no ano passado, podem ser os nomes a bold no cartaz, mas a organização acredita que será para ver a produção acabada de fazer por quem vive e trabalha no Porto que os 15 programadores internacionais já confirmados (“e muitos mais virão adensar esta lista”) se darão ao trabalho de fazer a viagem até à periferia da Europa. “Sabemos que por não trabalharem em Lisboa, e por estarem longe de centros de criação artística como Paris ou Bruxelas, estes artistas não têm visibilidade”, argumentou Tiago Guedes esta quarta-feira na conferência de imprensa de lançamento dos DDD, reiterando que “o festival quer assumir-se como um facilitador” ao serviço das sete peças “locais” que ali se apresentarão em estreia absoluta: Everlasting, de Joana Castro & Flávio Rodrigues; O Meu Corpo Também Dança, de Mara Andrade; Kid as King, de Bruno Senune; Hector, de André Mendes; Paradigma, de Dinis Machado; Acto I, de Gonçalo C. Ferreira; e Tal-Dew, encontro do coreógrafo israelita Eldad Ben-Sasson com uma estrutura de Gaia, a Kale Companhia de Dança.

A este núcleo-duro de espectáculos que Tiago Guedes considera representativo da nova dança portuguesa, independentemente do viés geográfico, juntam-se um dois-em-um daquela que é possivelmente a mais internacional das novas coreógrafas portuguesas, Marlene Monteiro Freiras (Jaguar e De Marfim e Carne – As Estátuas Também Sofrem, que alimentarão as conferências siamesas de Georges Didi-Huberman e Victor I. Stoichita, Ninfa Fluida + Ninfa Helvética), e um outro contingente nacional constituído por algumas das mais recentes criações de coreógrafos que foram, há uma ou duas gerações, “faróis da dança contemporânea no nosso país”. Fazem parte desse contingente João Fiadeiro, que trará ao Rivoli O que fazer daqui para trás, o seu comeback de Novembro passado; Vera Mantero, que faz subir ao Auditório de Serralves, desde o Algarve, Os serrenhos do Caldeirão, exercícios em antropologia ficcional; Miguel Pereira, que criou Repertório para Cadeiras, Figurantes e Figurinos para o Ballet Contemporâneo do Norte; e Né Barros, que reconstrói, agora com bailarinos portugueses, uma peça originalmente criada na Lituânia, Million, sobre um tópico irremediavelmente comum aos dois países, a emigração.

Irreversível

Aringa Rossa, de Ambra Senatore, e Songs for Takashi, de Raimund Hoghe, são as outras duas grandes criações de palco deste festival que também se faz à rua, numa série de intervenções especificamente pensadas pelo Balleteatro para o espaço público das três cidades – incluem-se por exemplo, neste módulo a que a organização chamou DDD OUT (o módulo DDD IN aglutina os acima referidos espectáculos em auditórios), a performance de Catarina Félix no Jardim do Morro de Gaia, Público Privado, e as Petites Formes Dansées do francês Gilles Verièpe na Biblioteca Municipal Florbela Espanca, em Matosinhos.

Os cruzamentos – de gerações, de proveniências, de circuitos – prolongam-se num terceiro módulo do festival mais assumidamente vocacionado para a formação, o DDD EXTRA, à atenção da comunidade de profissionais e estudantes da dança. A intensa agenda de masterclasses, encontros, conversas pós-espectáculo – e festas – inclui um menos habitual brainstorming colectivo aberto a todos os coreógrafos e performers do Porto para uma conversa à mesa sobre os desafios, as contingências, os problemas e as necessidades mais urgentes do sector: vai chamar-se Diz que Diz e será a 2 e 3 de Maio.

Como todo o festival, será uma oportunidade para que uma comunidade se encontre – a comunidade agora alargada que resulta da extensão da dinâmica do Porto pós-Rivoli às cidades vizinhas de Gaia e Matosinhos, num “acto irreversível de cooperação cultural”, como sublinhou Rui Moreira, o presidente da Câmara do Porto, que contribuiu com bem mais de metade (cerca de 151 mil euros) do orçamento total desta primeira edição (253 mil euros). “Se fizéssemos este festival separadamente estaríamos a gastar mais recursos públicos e como sabemos eles são muito escassos”, argumentou, acrescentando que as três autarquias estão a ultimar a candidatura dos DDD a fundos comunitários no âmbito do programa Portugal 2020. Com ou sem eles, porém, estes serão só os primeiros de mais Dias da Dança – a organização tripartida do festival assegurou que já está a tratar de 2017.

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