O mercado dos banqueiros

Os argumentos usados pelo Governo e pelas suas extensões no espaço público (o comentário político, na sua feição mimética) para justificar o sobressalário do presidente da Caixa Geral de Depósitos são uma mistificação cujo móbil nem sempre é a intenção fraudulenta, mas algo mais difícil de combater porque se apresenta como “natural”: os vícios ideológicos da análise que produz e reproduz a mentira. É uma falácia enorme a ideia de que estes sobressalários são ditados por um valor de mercado, determinados pela lei da oferta e da procura. O sobressalário de um banqueiro não responde a uma lógica económica, mas a uma necessidade política. E isto tanto vale para os bancos privados como para os bancos públicos. O sobressalário do presidente de um banco ou do gestor de uma empresa é arbitrado pelas escolhas do poder político, que coloca os bancários e os gestores (e não outra profissão entre as que são vulgarmente consideradas de grande utilidade social: os polícias, os professores, os médicos, etc.) no lugar cimeiro do edifício político-social. E por isso aceita pagar-lhes um preço que não depende da competência revelada, por mais que a invoque como legitimação. Se a competência fosse para aqui chamada e o seu preço fosse calculado pela lógica do mercado a que está sujeito o trabalho qualificado, o salário dos banqueiros estaria hoje altamente desvalorizado e não poderia ser auferido sem provas sólidas. Ora, neste domínio não há mercado nem preço justo de mercado, há apenas uma arbitragem política, um preço que paga uma posição politicamente instituída, independente do mercado e da competência com que é exercida. Não foi a isto que assistimos nos últimos anos? A falta de uma lógica de mercado no sobressalário dos banqueiros e gestores é aparentemente uma situação anómala do capitalismo. Mas a economia política é capaz de explicá-la. Sendo determinado por arbítrio político, este sobressalário não é do mesmo tipo do sobressalário de um jogador de futebol. Cristiano Ronaldo ganha milhões, mas tudo o que ganha pode ser explicado recorrendo à velha categoria marxista da “força de trabalho” como mercadoria que cria valor e funda uma mais-valia. O seu trabalho é excepcionalmente qualificado, muito mais qualificado do que o dos banqueiros (quantos potenciais banqueiros e gestores, aos quais está vedado o dito “mercado livre”, afinal politicamente arbitrado, não saem por ano das faculdades de Economia e Gestão?). Mas, ao contrário destes, Ronaldo está sujeito a uma regra implacável: todas as provas de incompetência lhe são cobradas, e, se essa incompetência se revela mais do que pontual, o seu preço de mercado anula-se ou sofre uma quebra. Se o preço de Ronaldo permanece nas alturas para as quais talvez sirva a categoria de “sublime matemático”, é porque o grau e o teor da sua qualificação não diminuíram e ele continua a criar o valor que fazia parte das expectativas de quem o contratou. Muito diferente é o que se passa com um banqueiro ou um gestor: na medida em que são peças de uma arbitragem política, eles não podem ser destituídos sem pôr em causa a competência de quem os escolheu e o bom fundamento da escolha. Por isso, estão sempre protegidos e numa cómoda independência em relação ao mercado: se são gestores públicos, só ficam sujeitos às mudanças de governo, o que lhes garante sempre uma saída heróica, na condição de vítimas; se são gestores privados, os “afastamentos” disfarçam-se de ascensões estratégicas que são rampas de lançamento para um “mercado” que não o é, mas precisa que acreditemos que é.

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