“O jazz precisa de ser amaciado para que as pessoas se voltem a interessar”

Cantora e professora de jazz, Joana Machado lança agora Lifestories, um novo disco que é o mais recente espelho da sua admirável complexidade.

Foto
Joana Machado numa das fotografias para o disco Lifestories CARLOS PINTO

Ao longo dos anos, e ela tem apenas 38, Joana Machado já ouviu muitos elogios. “Voz linda”, “cristalina”, “irresistível”, “admirável revelação”, “extrema musicalidade”. No PÚBLICO, Rodrigo Amado descreveu-a como “uma das mais belas vozes nacionais”. O seu novo disco, Lifestories, chega agora às lojas e reflecte um novo amadurecimento. São histórias de vidas? Ela confirma. “Algumas do plano autobiográfico, outras do plano fetichista. São histórias minhas, que eu imagino, mas não estou a vivê-las. Há muitas coisas cantadas na primeira pessoa, mas isso não quer dizer que seja eu.” Quase todas as composições (nove em dez) são dela, menos Unravel, versão de um tema de Björk. E quase todas são escritas em inglês, à excepção de duas: O azul e Maria.

Mas o melhor é conhecê-la primeiro. Nascida no Funchal, a 15 de Setembro de 1978, Joana Machado começou aos 6 anos a sua aprendizagem musical no Conservatório. Aos 15 já tinha uma banda rock chamada Et7ra [ler etecetera] mas seguir música, na Madeira, não era coisa bem vista na altura. “Senti-me demasiado observada, condenada. Ser músico, ali, não era opção.” Por isso, fez um curso de design industrial e rumou a outras paragens. Estudou em Lisboa e em Nova Iorque (e continua: está agora a acabar um doutoramento em artes performativas, até Dezembro de 2017), tornou-se professora de jazz e música moderna, gravou quatro discos (este é o quinto) e é, desde 2014, a única vocalista do Septeto do Hot Clube de Portugal. Lifestories é o sucessor de Crude (2006), A Casa do Óscar (2009), Travessia dos poetas (2010) e Blame it on my Youth (2014).

“O jazz pode ser tudo”

O facto de compor em inglês é, para ela, natural. “Estudei inglês, fiz o Cambridge todo e depois vivi na América. Na verdade, é uma língua tecnicamente mais fácil de cantar.” Mas também compõe e canta em português. E o disco transcende as fronteiras do jazz, chegando-se à pop e ao rock. “O jazz é um bocadinho música morta, porque se vamos pensar em viver os eternos anos 40 e 50, aquilo teve uma razão de ser naquele momento e era extremamente vanguardista para a altura. E o mainstream, a que hoje chamamos pop, eram exactamente as plataformas de improvisação do jazz. Fez sentido aquelas canções, que pertenciam a óperas, a musicais, à Broadway, serem usadas como plataformas para serem outras coisas. Hoje é preciso fazer isso com a música actual.”

Joana entende o jazz como “uma ferramenta sofisticada de comportamento e de entendimento musical”, mas acha que ele “precisa de ser amaciado para que as pessoas se voltem a interessar. Neste momento, na América, artistas com o Robert Glasper, que é o maior produtor da Blue Note, está a fazer hip hop! O próprio Brad Meldhau, no disco com o Mark Guiliana [Mehliana: Taming the Dragon, 2014], é extremamente moderno, tem r&b, tem música electrónica… No fundo, o jazz pode e deve ser tudo.”

Não é fácil, para ela, explicar a sonoridade deste disco: “Sou uma pessoa complexa, aliás o meu historial discográfico reflecte isso, porque os meus discos são todos muito diferentes. Neste momento isto sou eu a escrever e é uma descoberta recente, com uns quatro anos. No fundo, consigo até gostar daquilo que faço e assumo essa minha complexidade, que tem a ver com a variedade de coisas de que eu gosto: ir ao Lux dançar até às 5 da manhã, ou ficar em casa a ouvir o Love Supreme do Coltrane, ou rhythm’n’blues. Sobretudo, revejo-me muito na música negra americana.”

Björk num casamento

A escolha do tema de Björk (que é de 1997) tem uma história curiosa: “Tive de a cantar a pedido da minha irmã, que se casou e queria que esta música fizesse parte da entrada dela na igreja. Fiz um arranjo para violoncelo, guitarra e voz e cantei-a lá. Depois fiz um concerto no Olga Cadaval onde convidei duas grandes amigas, a Rita Redshoes e a Ana Bacalhau, escrevi essas vozes e juntei um bocadinho de Coltrane (a introdução é do tema Wise one, do disco Crescent). Agora, quis que fizesse parte deste disco.”

Os dois temas cantados em português têm referências pessoais e familiares. Maria é uma canção inspirada na sua filha, com 2 anos e quatro meses. “É a única canção jazz do disco, na verdade. Sou apaixonada por ela, embora me dê muitas dores de cabeça.” O saxofone que se ouve nesta faixa é de Ricardo Toscano. Já O azul, diz Joana, “é uma canção muito surrealista na letra, onde eu não revelo nada mas estou a dizer muitas coisas, muito profundas e com alguma amargura. Tem a ver com esta coisa de ser ilhéu e de estar rodeado de azul, um azul difícil de transpor. Eu transpu-lo, aos 17 anos, mas a canção fala das pessoas que não o transpuseram e que deviam tê-lo feito.”

Sugerir correcção
Comentar