O improvável em estado de graça

A história de uma actriz grávida é um híbrido feliz entre o documentário e a ficção que convida o espectador a fazer parte da viagem.

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Olmo e a Gaivota: a extraordinária leveza, o suave pudor, com que as cineastas filmam a intimidade

Há uma curiosa dimensão de “filme improvável”, diríamos mesmo quase de “filme impossível” em Olmo e a Gaivota, obra tecnicamente dirigida a quatro mãos mas na prática feita a oito mãos, com os seus actores/personagens a serem verdadeiros co-autores do filme. Esse lado de filme impossível aparece porque damos por nós a perguntar – e não sem alguma razão – como é sequer possível que o resultado de três anos de rodagem e pós-produção tenha saído tão bem feitinho e formadinho do que parece ser uma babel de línguas, países e técnicos. Nascido de um encontro entre uma cineasta dinamarquesa quase estreante e uma brasileira com experiência promovido pelo festival CPH:DOX de Copenhaga, Olmo e a Gaivota envolveu ainda capitais franceses e portugueses na sua produção. O filme tem cinco montadores creditados, passa por quatro línguas, e apesar de acompanhar a gravidez real da actriz italiana Olivia Corsini, levanta sistematicamente a dúvida sobre onde é que termina o documentário e começa a ficção.

Ora, esta história de uma mulher cuja gravidez a leva a questionar a sua vida é tudo menos um filme abertamente “de tese” ou “de tema”, e recusa-se a ceder à meditação mais ou menos sisuda sobre a maternidade. É verdade que Olivia é actriz, logo talvez pense demasiado nas coisas – e o lado “a vida é um palco” é o que de menos interessante Olmo e a Gaivota tem, apenas porque as realizadoras não trazem especiais novidades a uma dimensão que as artes sempre gostaram de explorar. Mas, por uma vez, isso não é forçosamente problema, e passa rapidamente para segundo plano face à extraordinária leveza, ao suave pudor com que as cineastas filmam a intimidade deste casal cuja vida acaba de ser voltada do avesso pela experiência da gravidez. Sem voyeurismos gratuitos mas antes com uma sensação de sermos bem-vindos na vida de Olivia e do seu companheiro Serge Nicolaï, um convite para vivermos esta experiência com eles e percebermos o que é que transportar uma vida nova significa para uma mulher. Talvez seja aí que reside o triunfo deste híbrido que não reinventa a roda mas que também não o quer fazer: é um filme feliz, em estado de graça, que encontra razões para celebrar as coisas simples de estarmos vivos.

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