O fim-de-semana mais longo de Serralves já está em movimento

O Serralves em Festa chegou à Baixa do Porto com as espirais hipnóticas de Ola Maciejewska e do seu vestido vindo dos primórdios da dança moderna. Seguem-se 50 horas sem parar — e o habitual banho de multidão.

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Ola Maciejewska repete o solo Loïe Fuller: Research no domingo em Serralves ADRIANO MIRANDA

Ola Maciejewska atravessa a Praça Carlos Alberto com um dancing dress em cada mão, sol do meio-dia a bater em cheio na calçada portuguesa e a fazer ricochete na pele por bronzear do casal de turistas alemães que se senta na beira do canteiro para assistir ao início do Serralves em Festa (e folhear o programa, disponível apenas em inglês, para que não haja dúvidas de que esta é uma cidade definitivamente turistificada). Em teoria, é só às 20h desta sexta-feira que o grande portão dos jardins da fundação na Avenida Marechal Gomes da Costa se abre de par em par para dar início às 50 horas de festa non-stop – e totalmente grátis – com que a instituição espera bater até à meia-noite de domingo mais um recorde (no ano passado, ficou para trás a fasquia dos 160 mil visitantes). Na prática, o Serralves em Festa já está em movimento na Baixa do Porto, onde Ola Maciejewska e os dois hipnóticos dancing dresses que foi buscar aos primórdios da dança moderna começaram esta quinta-feira a ganhar embalo para o provável banho de multidão que terão à sua espera este domingo.

Criada na sequência de uma investigação em torno de uma figura pioneira – a americana Loïe Fuller (1862-1928), cuja extraordinária silhueta em espiral é uma das imagens mais icónicas da dança moderna –, a peça que a bailarina e coreógrafa polaca trouxe esta quinta-feira até à Praça Carlos Alberto e aos Jardins da Cordoaria, e que repetirá no último dia do Serralves em Festa, procura reequacionar o lugar do corpo na história da dança, uma história em que este sempre figurou como única fonte possível de movimento. “Interesso-me por propostas em que o movimento é modificado pelo objecto e em que o objecto é modificado pelo movimento – e Loïe Fuller é um exemplo paradigmático desse tipo de pesquisa”, explicou Ola Maciejewska à revista Inferno.

Propulsionado pelo fulgurante aerodinamismo dos dancing dresses que ela própria inventou, e pela potência da recém-descoberta luz eléctrica, o hipnótico corpo de Fuller deu início a uma linhagem coreográfica que Ola Maciejewska lamenta ter-se perdido pelo caminho, esmagada pelo “antropocentrismo” dominante nas artes performativas. Retomar essa linhagem é a missão a que esta artista associada do Centre Coreográfico Nacional de Caen se dedica desde que em 2011 publicou o ensaio Extending the notion of movement in dance to non-humans, things and objects, a que se seguiram as duas peças que agora traz ao Serralves em Festa: Loïe Fuller: Research (2011), o solo que repete às 20h30 de domingo no foyer do museu, e Bombyx Mori (2015), a versão expandida e sonorizada da primeira peça, agora à escala de três bailarinos, que apresentará sábado (18h e 22h) e domingo (17h) no auditório.

Por muitos vídeos de Loïe Fuller que tenha visto no YouTube, nenhuma destas peças pretende entrar no terreno escorregadio da homenagem ou da reconstituição histórica, onde Ola Maciejewska diz já ter visto muitos artistas contemporâneos “a enterrarem-se vivos”. O que a atrai na prática de Fuller, e quer voltar a colocar como hipótese em cima do palco, é “o potencial do corpo para se tornar objecto e da matéria para se tornar sujeito”.

Olhando para a maneira como o corpo dela desaparece no vestido para se tornar uma escultura, enquanto a espectadora acidental que acaba de entrar na praça se sobressalta ao perceber que a escultura está em movimento, diríamos que a missão de Ola Maciejewska parece estar a ser cumprida.

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