O Cinema vai à Ópera

Diálogos, um belíssimo documentário de Catarina Neves, seguindo a montagem há um ano no Teatro Nacional de São Carlos da ópera Dialogue des Carmelites tem uma fotografia de uma luz e claridade assinaláveis.

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Luis Miguel Cintra e João Paulo Santos em Diálogos dr
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Luis Miguel Cintra e João Paulo Santos em Diálogos dr

Em Fevereiro do 2016 o Teatro Nacional de São Carlos apresentou a ópera Dialogue des Carmelites de Poulenc, com encenação de Luis Miguel Cintra, direcção musical de João Paulo Santos e um elenco integralmente de cantores portugueses. Agora, um ano volvido, podemos ver Diálogos, ou, mais exactamente Diálogos ou como o Teatro e a Ópera se Encontram para Contar a Morte de 16 Carmelitas e Falar de Medo, um filme de Catarina Neves sobre a montagem do espectáculo, que tem a sua primeira apresentação esta segunda-feira naquele teatro, às 20h.

É um belíssimo documentário, com um verdadeiro olhar de cineasta, como ela já o tinha revelado no seu primeiro filme, A Última Encenação de Joaquim Benite, a que se seguiu O Palco Teatro Nacional D. Maria II 2014, que seguia actividade do Nacional naquele ano, mas que também recuava no tempo, evocando a História, o incêndio no dia 12 de Dezembro de 1964 e a revolução de 25 de Abril, o que, além de fazer excessivamente longo (2h30 na versão original) o tornava desconcentrado. Pelo contrário, Diálogos, como antes A Última Encenação de Joaquim Benite (o Timão de Atenas de Shakespeare), está rigorosamente focado num processo específico, dá-o a conhecer, de algum modo “revelava-o” – e já agora, diga-se, com uma fotografia da própria realizadora de uma luz e claridade assinaláveis.

Dialogue des Carmelites é, como se disse, uma ópera de Francis Poulenc sobre o homónimo texto teatral de Georges Bernanos, escritor católico francês e grande figura de ética intelectual, autor nomeadamente de Diário de um Pároco de Aldeia, Mouchette e Sob o Sol de Satanás, todos com adaptações cinematográficas, grandíssimos filmes, os dois primeiros de Robert Bresson, o terceiro de Maurice Pialat.

Como pianista de canto, João Paulo Santos muito tocou Poulenc e a montagem desta ópera, ou o desejo dela, era um horizonte expectável. A sua longa cumplicidade com Luis Miguel Cintra tornava igualmente expectável que a ele fizesse apelo. Diz Cintra no filme “a primeira vez que ouvi a ópera achei-a uma maçada e depois comecei a ver frase a frase”. Afinal, “Ai tantas emoções!” diz ele no fim do filme.

Para Cintra é um imenso prazer trabalhar com actores “frágeis”, como o são estes cantores, com disponibilidade e ansiedade por serem guiados num processo de trabalho dramatúrgico, que o filme regista em pormenor. Num momento da sua vida em que enfrenta a doença, que o levou a ter de se retirar dos palcos como actor, e a velhice, tanto por isso trabalhar este texto foi para ele uma particular emoção, como afirma no documentário. E advinha-se ainda que não terá sido de menos importância abordar um texto tão profundamente crente num momento que é para ele de uma Fé reencontrada.

“O Medo”, incluindo mesmo “o medo de ter medo”, como aliás está inscrito no título completo do filme, Diálogos ou como o Teatro e a Ópera se Encontram para Contar a Morte de 16 Carmelitas e Falar de Medo, eis o motivo recorrente. Esse e a morte, quando as carmelitas são banidas pelos revolucionários franceses, em 1792.

Embora comece com os cantores nos seus camarins aquecendo a voz e se conclua no ensaio geral com público, o filme não segue uma estrita cronologia, alternando momentos de trabalho do encenador com os intérpretes (e que exemplo observar como ele os vai guiando e dando indicações no texto), daqueles com o director musical, deste com a orquestra, e tanto melhor que assim seja, porque a inteligente montagem melhor nos faz aperceber o diálogo do teatro e da ópera, e afinal também o diálogo do cinema com eles.

Diálogos ou como o Teatro e a Ópera se Encontram para Contar a Morte de 16 Carmelitas e Falar de Medo é, repete-se, um belíssimo documentário, amplamente se justificando que depois desta estreia no local apropriado do São Carlos tenha outras apresentações. É um daqueles casos em que apetece dizer “obrigado” a todos os que foram olhados e a quem tão inteligentemente os olhou.

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