O bebé e a água do banho

Hadzihalilovic trabalha simbologias como centro de tudo o que está no seu filme, num ambiente de horror enigmático que tem tanto de sugestão

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Evolução é uma fábula, algures entre o horror, a ficção científica e o onirismo

Evolução começa de maneira intrigante, e com imagens bastante bonitas de uma paisagem submarina, como se durante alguns minutos nos quisesse fazer acreditar – fazendo jus ao título – estarmos perante um filme de âmbito científico.

Depois, não é bem isso: antes uma fábula, algures entre o horror, a ficção científica e o onirismo, a desenrolar-se num balanço entre realismo (dos cenários por exemplo, uma aldeia de edifícios brancos numa costa de areia e rochas escuras) e aquele sentido metafórico, nas acções e relações das personagens, que faz lembrar, por exemplo recente, o procedimento de Yorgos Lanthimos em A Lagosta. No filme de Lucile Hadzihalilovic dominam mais as estrelas do mar do que as lagostas, e por certo um imaginário aquático que abre a porta a todos os simbolismos, mais clássicos ou mais heterodoxos. A água como elemento feminino, “origem do mundo” na conotação biológica ou sexual, a preponderância das mulheres naquela aldeia, todas parecidas umas com a outras, muito pálidas e vestidas de igual, como se fosse uma “espécie” que tivesse “evoluido” daquela maneira, e depois os muitos rapazinhos – entre os quais o protagonista – que com elas têm uma relação maternal e sinistra. Hadzihalilovic trabalha estas simbologias como centro de tudo o que está no seu filme, num ambiente de horror enigmático que tem tanto de sugestão (aquele plano das mulheres a banharam-se no mar nocturno com a estrelas do mar podia ser inspirada nas cenas de feitiçaria do célebre Haxan de Benjamin Christensen) como de concretização física, nas cenas de tortura (ecos do “torture porn”, sim, porventura) ou nas cenas “clínicas”. O que quer Hadzihalilovic dizer ou onde quer ela chegar com isto permanece razoavelmente misterioso - e provavelmente não quer dizer muito nem chegar muito longe: o seu filme provoca, à medida em que avança, o mesmo cansaço que costumam provocar os filmes “metafóricos”, onde nenhuma imagem vale sem precisar de ser submetida a um trabalho de descodificação.

Paradoxalmente, o momento em que o cansaço toma conta do espectador e ele se passa a estar nas tintas para a “interpretação” chega como uma libertação: é altura em que fica a sós com o imaginário e tenta tirar partido imediato do que vê (e Hadzihalilovic revela alguma habilidade para o enquadramento e para a composição).

Em resumo, trata-se de um filme mais intrigante do que, de facto, interessante, mas conserva um sabor estranho, bizarro, que não traz nenhuma satisfação especial mas chega para que não se queira deitar fora o bebé com a água do banho. Fórmula convencional de expressão que, no meio de tanta metáfora, aqui faz um sentido literal. 

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