Nova temporada da Metropolitana vai ter muito Bach e o público sentado no lugar dos músicos

Programação inclui dezenas de concertos, maestros de renome, uma estreia absoluta de Pinho Vargas e mais uma edição do atelier de ópera. A orquestra, garante o seu maestro, está cada vez melhor.

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O programa da próxima temporada inclui um concerto para violino de António Pinho Vargas em estreia absoluta Miguel Manso

Abrir os ensaios para que o público possa estar na plateia e acompanhar, em ambiente mais descontraído, uma manhã de trabalho é corrente, mas fazê-lo de modo a que 60 ou 70 pessoas possam sentar-se nas cadeiras que os músicos habitualmente ocupam para ouvir a orquestra tocar é novidade. É precisamente este o convite que faz a Orquestra Metropolitana de Lisboa (OML), que apresentou ao final da manhã desta segunda-feira a sua temporada 2015-2016. Já pensou assistir à 4.ª sinfonia de Beethoven ao lado de um violino, olhando a sala da mesma perspectiva que os intérpretes?

Pedro Amaral, director artístico da Metropolitana há já duas temporadas, está ciente do desafio que o projecto representa para os músicos, mas não tem dúvidas de que estão preparados: “Este esforço de aproximação faz parte da relação que queremos construir com o público. Mesmo sendo um ensaio, é bom poder pô-lo a olhar a plateia, o maestro e a partitura, ao lado dos músicos.”

Estes ensaios singulares fazem parte de um dos projectos paralelos da Metropolitana, que com a chegada de Pedro Amaral e António Mega Ferreira à direcção da Associação Música Educação e Cultura, que tutela a OML, iniciou um novo ciclo de maior estabilidade artística e laboral, defendem.

Tal como as anteriores, a próxima temporada, que tem três lá dentro e acontece de Setembro de 2015 a Junho de 2016, propõe como eixo central uma programação tripartida em conteúdos e salas de apresentação. A temporada clássica tem por palco o renovado Teatro Thalia, nas Laranjeiras, inclui 12 concertos e centra-se num reportório que privilegia Beethoven e vai até ao início do século XIX; a barroca destaca Bach e passa pela Sala dos Espelhos do Palácio Foz, com uma ida à Igreja de São Roque para um concerto em que o músico alemão se junta ao italiano Corelli; e a coral e sinfónica instala-se, como já vai sendo hábito, no Centro Cultural de Belém (CCB), tendo por principais atracções a integral das oratórias litúrgicas de Bach e a estreia absoluta de um concerto para violino de António Pinho Vargas, em que o compositor português está ainda a trabalhar.

Algumas escolhas

Navegar pelo extenso programa de concertos não é tarefa fácil e, por isso, o PÚBLICO pediu a Pedro Amaral e a Mega Ferreira que fizessem algumas escolhas. O maestro e compositor destacou, por exemplo, a integral das sinfonias pares de Beethoven (2.ª, 4.ª, 6.ª e 8.ª), por ser um ciclo “de grande consistência programática” em que promete dar razões ao público para voltar para o concerto seguinte, isto sem esquecer a contemporaneidade, numa “obra absolutamente extraordinária" de Wolfgang Rihm (Jagden und Formen). O director executivo – Mega Ferreira é também um assumido melómano - tem “curiosidade” em relação a Rihm, mas prefere apostar em algumas das suas obras de sempre, como a Missa em Sol Menor de Bach e dois concertos “extraordinários” de Corelli (o concerto de São Roque), Henry Purcell em Dido e Aeneas ou The Fairy-Queen, com a “soberba” soprano Ana Quintans; e a Sinfonia Pastoral de Beethoven, a “preferida”.

Em comum o maestro e o gestor cultural salientam as oratórias litúrgicas de Bach, a nova obra de Pinho Vargas e a continuidade do atelier de ópera, que na próxima temporada volta a dar oportunidade a jovens cantores ainda em formação ou em início de carreira de trabalharem com orquestra, desta vez com As Bodas de Fígaro, primeira colaboração entre Mozart e o libretista Lorenzo da Ponte.

“Até me espanta como outras instituições não fazem [atelier de ópera]”, disse Mega Ferreira ao PÚBLICO. O atelier de ópera, além de corresponder “à vocação artística e pedagógica da Metropolitana”, é “financeiramente sustentável – paga-se a si próprio em receitas de bilheteira e espectáculos vendidos”.

Quanto a Bach, “a integral das oratórias litúrgicas é coisa rara de se fazer no mesmo ano”, explica Pedro Amaral, sublinhando ainda o facto de, nestes concertos do CCB, a OML tocar sob a direcção de “três maestros de topo no que toca à interpretação historicamente informada” destas obras do mestre alemão: A Oratória de Natal é conduzida por Leonardo García Alarcón, “um dos maiores especialistas em reportório barroco”, a da Páscoa por Nicholas Kraemer, já com uma ligação continuada à orquestra; e a de Ascensão pelo alemão Hans-Christoph Rademann.

Estabilidade e ambição

Com um orçamento para programação de 280 mil euros – 250 mil para a temporada regular e 30 mil para projectos especiais, que desta vez vão incluir, por exemplo, Cabul, projecto do coreógrafo Rui Horta com o actor Pedro Gil a partir de textos de Heiner Müller e da música de Morton Feldman -, a OML é hoje uma casa sem conflitos laborais de maior, bem diferente do cenário que Pedro Amaral e Mega Ferreira encontraram ao chegar.

Em 2011 e 2012, lembra o gestor, os trabalhadores tiveram cortes salariais que, nalguns casos, ascendiam a 20%, os pagamentos das dívidas à Segurança Social e ao Fisco consumiam meio milhão de euros por ano (40 mil euros por mês) e o clima era de “grande instabilidade”. “Em 2014 começámos a repor os salários – ainda não estão nos valores anteriores aos cortes, mas caminhamos para lá – e negociámos a dívida. Agora por mês pagamos 12 mil euros. Temos muito menos conflitualidade laboral e, por isso, temos também uma orquestra a trabalhar melhor, com mais ambição.”

Os custos de funcionamento da associação são hoje de três milhões de euros, incluindo músicos, os professores das três escolas que inclui e outros funcionários. “Esta predisposição para melhorar na orquestra não é subjectiva, vem da melhoria das próprias condições de trabalho.” Amaral concorda. À chegada encontrou uma formação “profundamente desmotivada” e com um nível abaixo da qualidade potencial dos seus músicos.

Quando chegámos a orquestra estava muito desmotivada e um músico desmotivado não toca da mesma maneira, não canta da mesma maneira, não dirige da mesma maneira. Num músico, a desmotivação ouve-se”, diz o maestro e compositor, que promete mais música contemporânea na temporada 2016-2017, que está praticamente fechada. “A orquestra assume hoje riscos cada vez maiores porque tem cada vez mais confiança. Mas o reportório contemporâneo é muitíssimo exigente porque levanta novos desafios técnicos – é preciso avançar com cuidado para não se pôr em risco o trabalho de qualidade que se tem feito até aqui.”

Um trabalho que leva Pedro Amaral a confiar cada vez mais nos solistas da formação que dirige. “Nesta temporada Bach e Beethoven estão em destaque, mas os nossos músicos também, porque estão cada vez melhores. Sem eles não poderíamos homenagear nem Bach, nem Beethoven, nem nenhum contemporâneo.”

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