No Milhões, fez-se história com The Heads, fez-se a festa com o incrível Islam Chipsy

Sábado, os The Heads, banda de culto do psicadelismo britânico, deram-nos o rock ’n’ roll que o festival nunca nos nega. O egípcio Islam Chipsy, de madrugada, não deu descanso a ninguém. E os Bixiga 70 impressionaram-se com a recepção que tiveram na “terrinha”.

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Big Naturals
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The Heads
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Bixiga
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Domenique Dumont

E aconteceu outra vez. Dez músicos brasileiros no palco Milhões a confessarem que, enquanto ensaiavam no seu pequeno estúdio no centro de São Paulo, nunca imaginaram que isto lhes fosse acontecer na primeira viagem “à terrinha”. Três músicos egípcios, no Palco Lovers, a tirarem fotos à plateia preenchida à sua frente e a fazerem uma vénia de agradecimento que seria de despedida não se desse o caso de o público querer mais música e de eles, na verdade, não se quererem ir embora. Bixiga 70 e Islam Chipsy. Sábado, penúltimo dia do festival, mais dois surpreendidos pelo calor do Milhões de Festa, em Barcelos.

E aconteceu outra vez. Aguardamos sem saber o que nos espera e deparamo-nos com nova descoberta a seguir atentamente: olhos postos em GAIKA, o MC londrino que dispara rimas sob produções filiadas no dubstep e modeladas no r&b “autotunado” (mas tudo são sombras e ansiedade carregadas em discurso activista – “What are you afraid of?”, pergunta).

Repitamos: aconteceu outra vez. Aqui temos a banda de culto que vem ser celebrada junto de quem aprecia os cultos nascidos nas margens do mediatismo – neste caso, os The Heads, psicadelismo vertiginoso nascido há mais de duas décadas em Bristol; aqui estão os Riding Pânico a fazerem a sua festa rock, com aquele rock que nasce quando se decide baralhar as coordenadas do género, ao fim da tarde no Palco Taina, e a recordarem que a primeira vez que tocaram no festival foi em 2006 – confere: tocaram na primeira edição e não falharam nenhuma depois dessa. O Milhões de Festa. Já o conhecemos muito bem, e essa familiaridade aproxima-nos. Conhecendo-o, sabemos que nunca a rotina cairá em tédio – dizemos “aconteceu outra vez” e surpreendemo-nos.

Barcelos estava agitada este sábado. Há uma Festa da Francesinha, a segunda, a decorrer na Praceta Francisco Sá Carneiro, e há muita gente de visita à cidade, muitos emigrantes que regressam à terra para o querido mês de Agosto que está mesmo a chegar. Pela hora do jantar, uma azáfama de gente caminhando em grupo e conversando animadamente desde o Templo do Senhor Bom Jesus da Cruz e o comércio e restauração da Rua António Barroso. Entre eles, destacam-se alguns. Sabemos o que andaram a fazer a noite passada. Denunciam-nos as persistentes purpurinas brilhando no cabelo e na pele. Purpurinas lançadas durante o concerto de Cheryl, sexta-feira, quando o dia começava a nascer. Os mais corajosos, ou mais dotados de energia, terão ainda dado um salto ao histórico bar Xispes, em Barcelinhos, onde a festa se prolongou, dizem relatos bem informados, até perto da hora de almoço de sábado. Em Barcelos, o Milhões de Festa não é o centro de tudo. O Milhões acrescenta. Uma dinâmica aldeia de delícias variadas em movimento pela cidade.

Sob o calor abrasador deste final de Julho, o Sol Sistema, ou seja, o sistema de som ambulante, movido a energia solar, protagonizado por O Gringo Sou Eu e DJ VA, fez a sua caminhada habitual pelas ruas da cidade, atraindo gente até destino desconhecido, onde se tornariam espectadores de um concerto. E foi assim, perante a bênção da estátua do missionário António Barroso, no Largo do Município, que os OTROTORTO os Torto de Jorge Coelho e Jorge Queijo, mas com o baixista Miguel Ramos substituído pelo teclista Hugo Raro – tocaram o seu rock sem rede para algumas dezenas.

Não muito longe dali, vivia-se toda uma outra agitação. A piscina transbordava. As bolas pretas insufláveis, marca este ano do Milhões a banhos, eram usadas em batalhas combatidas com fervor feliz, enquanto se ouviam Filho da Mãe & Ricardo Martins ou os Big Naturals, banda umbilicalmente ligada aos The Heads.

No Palco Taina instalado no recinto oficial do festival, no Parque Fluvial de Barcelos, preferia-se à animação aquática a sombra oferecida pelas altas e frondosas árvores nas margens do Cávado. Ouviam-se os Marvel Lima, aplaudia-se o ataque sónico tumultuoso dos Quelle Dead Gazelle, o duo de guitarra e bateria que acaba de editar o álbum de estreia, Maus Lençóis, e acolhiam-se os velhos conhecidos Riding Pânico.

De um lado, no Parque Fluvial, o rock em combustão da banda lisboeta. Do outro, nas piscinas, um velho mago dos pratos, Adrian Sherwood, a transformar dub e reggae com o poder da sua imaginação, criando-lhes novas reverberações, acrescentando ritmo, celebrando a música que se tornou a sua vida no final dos anos 1970. Ah, bendita diversidade. Estávamos preparados para o que a noite traria.

Noite sem descanso

Muitas horas passaram. Já se ouvira o psicadelismo ondulante de Sun Araw e a pop sonhadora, com um “french touch”, de Domenique Dumont. Os The Heads já tinham arrasado tudo à sua passagem, Gaika já revelara a sua voz grave e os Bixiga 70 já haviam incitado o público a formar o “comboínho” da noite. Já tudo isso acontecera.

Estamos no Palco Milhões, já passa das 4 da manhã. Desde as três que, ali, não há qualquer possibilidade ou vontade de descanso. Islam Chipsy, mago das teclas, ladeado por dois bateristas, os EEK. A base é a música chaabi do norte de África, habitualmente ouvida em casamentos e outras celebrações, o resultado é algo difícil de explicar com rigor a quem não passa pela experiência de os ver ao vivo. Um fluxo de som contínuo, sem espaço para pausas. Vagas de arpejos e melodias ondulantes extraídos de um órgão que fervilha ao toque de Chipsy: o sorriso não lhe desaparecerá do rosto um segundo que seja, nem quando transforma o som distorcido dos sintetizadores para sugerir o trinado de um alaúde, nem enquanto ataca mais uma sequência de notas em velocidade supersónica, mãos movendo-se como as de um croupier em speeds distribuindo cartas na mesa de póquer.

Não demorou mais de um par de minutos até que Islam Chipsy & EEK e o público se tornassem um só. Corpos abandonados ao frenesim daquela música. Hipnose colectiva, não menos. Não há canções, temas, músicas. Os dois bateristas colam-se numa mesma cadência rítmica e não a largarão até ao fim do concerto. Islam Chipsy fornece o discurso. Isto não é uma rave, mas toda a gente dança como se fosse. Isto não é um concerto normal. É uma gigantesca festa criada pelo poder irresistível daquilo que criam três egípcios que revolveram a sua tradição para a atirar para o futuro.

Que festa, senhoras e senhores, que festa! Não esqueceremos tão cedo a passagem de Islam Chipsy pelo Milhões – se não foram afortunados o suficiente para o terem visto este sábado, corram a apanhá-lo no Salão Brazil, em Coimbra (dia 27), na ZDB, em Lisboa (dia 28), ou no Músicas do Mundo de Sines (dia 29).

Antes dele, no Palco Milhões, festa ainda, mas de outro tipo. Chamam-se Bixiga 70, vêm de São Paulo e ocuparam literalmente o palco principal do festival. Dez músicos, entre secção de metais e percussionista, que são orquestra levando o Brasil até à Nigéria (afrobeat, pois então) e subindo a norte para resgatar aos Estados Unidos o funk e o disco (ajuda ter um baixista particularmente virtuoso). Orquestra a sério, com passos coreografados no ritmo pela secção de metais, com um órgão vintage a iluminar a caminhada do ritmo, com solos de percussão para o público bambolear e, noutros momentos, todos unidos na elegância de uns Bar-Kays tropicais – até Luís Gonzaga, “o melhor músico brasileiro de todos os tempos”, como o classificaram, foi alvo dessa transformação. 

No encore exigido pelo público, que lhe devotou das melhores recepções que vimos este ano no festival, diminuem as rotações até à dolência reggae. Uma “saídeira” serena, momento de pausa antes do furacão Islam Chipsy que se seguiria.

Mas há uma outra história para contar. Aconteceu antes de Chipsy e dos Bixiga 70. Aconteceu depois de Gaika ter levantado a voz contra o medo – o medo que conduz à intolerância, o medo, disse, que levou os ingleses a votarem pelo “Brexit”.

Com os The Heads, tivemos direito à dose anual de psicadelismo rock ’n’ roll em que o Milhões de Festa é especialista. A banda nascida em Bristol em 1990 e liderada pelo guitarrista Paul Allen (era o cabeludo talentoso à esquerda no palco) é um cocktail explosivo de, passe a redundância, várias explosões iluminadoras da história do rock ’n’ roll. Neles, reúnem-se a canção como drone dos Spacemen 3, os riffs compassados dos Black Sabbath, a voragem dos Stooges ou o poderoso onirismo dos Neu!. Algumas canções estendem-se no tempo em lenta e quase impercetível metamorfose, outras são cenário para explosões de guitarra wah-wah incandescente, qual clarão iluminando toda a caminhada. Foram todo um outro tipo de festa. O público acompanhou-os ora de olhos fechados para sentir o som mais claramente, ora abanando a cabeça e batendo o pé ao ritmo, ora libertando-se, mais efusivo, no inevitável crowd-surf. Um portento. História viva no Milhões. Mais uma vez.

O festival termina este domingo. Legendary Tigerman será DJ de serviço na piscina, ao final da tarde. El Guincho, Part Chimp, Oozing Wound e Dan Deacon nomes em relevo na noite da despedida.

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