Nesta Estação, o fotojornalismo (não) está em crise

A partir de quarta-feira, o Prémio Estação Imagem põe o fotojornalismo no centro das atenções, em Viana do Castelo, cidade onde o norte-americano Chistopher Morris nos mostra uma visão crítica do seu país.

Foto
Christopher Morris mostra em Viana do Castelo o seu projecto Americanos, no Prémio Estação Imagem 2016 Martin Henrik

O fotojornalista Christopher Morris não vai ser lembrado pela agressão de que foi alvo por parte de um agente de segurança num comício de Donald Trump. O freelancer premiado, que tem trabalhado com a Time, está mais preocupado com o que está a acontecer ao fotojornalismo, num momento em que os sinais de desinvestimento na profissão, enquanto geradora de uma memória futura das sociedades contemporâneas, lhe parecem mais sufocantes do que as mãos que lhe agarraram o pescoço naquele dia de Fevereiro. Morris está em Portugal para participar no Prémio Estação Imagem Viana, um intervalo, também ele, nessa crise que se nota igualmente em Portugal, e que até levou a organização a criar um novo prémio, a Fotografia do Ano.

O fotógrafo Luís Vasconcelos dá uma justificação muito prosaica para esta nova categoria dos prémios Estação Imagem. Muitos fotojornalistas têm-se queixado de por falta de recursos, ou de aposta, nas respectivas redacções não terem trabalhos com a extensão e profundidade necessárias para concorrer ao prémio de reportagem. A Foto do Ano, a que cada um pode concorrer com cinco imagens, atraiu 110 concorrentes. Sinais de uma crise, nossa, mas também global, que Christopher Morris, membro da agência VII, vem notando no bolso nos EUA ou em Paris, apesar do seu currículo recheado de prémios internacionais, e que o levam a ter de fazer mais trabalho “comercial”, admitiu.

“Eu apresento muitos projectos para trabalho documental, jornalístico, mas 90% deles são rejeitados, na maioria dos casos por motivos financeiros”, explicou o fotojornalista esta segunda-feira na conferência de imprensa dos prémios Estação Imagem, em Viana do Castelo. Morris já esteve no júri deste prémio, mas este ano regressa a Portugal para uma conferência, no domingo, a propósito da exposição do seu projecto Americanos, resultado de mais de uma década de imagens de uma América em crise de valores, presa a um nacionalismo cujos efeitos – o ódio, a guerra que opõe vizinhos contra vizinhos, etc. – o preocupam e que tem tentado captar em imagens com um pendor simbólico acentuado.

“É claro que há felicidade na América. Mas não me apetece fotografar crianças a sorrir. Isto é o que eu vejo, o que eu sinto. E quero que fique como testemunho para daqui a 30 ou 40 anos”, argumentou, numa intervenção em que se mostrou muito preocupado com o facto de a comunicação social “estar a esquecer” que tem um papel na criação de uma memória plural, para uso futuro, das sociedades actuais. Uma falta de sensibilidade que este fotógrafo que tem acompanhado a Casa Branca sentiu na pele quando a Time preferiu enviar três jornalistas  um deles para escrever no Twitter à entrega do Nobel da Paz a Obama em Estocolmo, impedindo-o de registar esta cerimónia.

A conferência de Morris é apenas um dos muitos momentos da edição deste ano do Estação Imagem, que tem como ponto alto o anúncio dos premiados, no sábado, às 11h30. Ao todo, segundo Luís Vasconcelos, 190 profissionais apresentaram trabalhos para serem avaliados, durante esta semana, por um júri presidido por Aidan Sullivan, actual vice-presidente do serviço fotográfico da Getty Images, e que inclui a directora de fotografia da Telegraph Magazine, Cheryl Newman, o fotógrafo Laurent Dubois, que trabalha há décadas com a Associated Press em Paris, e João Silva, o português radicado na África do Sul que no sábado à tarde, pelas 16h30, dá também uma conferência sobre o seu trabalho ao serviço, há década e meia, do New York Times.

Mas o Estação Imagem começa esta quarta-feira, pelas 18h. E começa com a apresentação do resultado de um exercício de produção de uma memória colectiva, a das 30 pessoas (entre eles, o presidente da câmara José Maria Costa), que no dia 29 de Fevereiro fotografaram, ao longo de 24 horas, Viana do Castelo. “Daqui a dez anos vai ser curioso ver a evolução da cidade, ao longo de cada uma destas iniciativas anuais”, assinalou Luís Vasconcelos, destacando o papel do Estação Imagem na produção de narrativas fotográficas sobre múltiplas realidades da região/cidade que apoia o prémio. No sábado, depois da conferência do júri, às 15h30 é inaugurada, nos antigos Paços do Concelho a exposição Filigrana, a Tradição ainda É o Que Era, de António Pedro Santos, vencedor da bolsa anual atribuída em 2015. Este ano já se sabe que o tema será “O Vinho e a Vinha”, realidade que liga o Minho à Galiza, a cujos fotógrafos o Estação Imagem se abriu há alguns anos.

José Maria Costa era, nesta apresentação, um autarca satisfeito com o resultado desta parceria, que, além do mais, leva a Viana alguns dos melhores fotojornalistas portugueses e estrangeiros e um programa cultural que, durante cinco dias, faz esquecer a crise que se vive no sector. Pode consultar-se em www.estacao-imagem.com e o menu do Estação Imagem inclui várias sessões de exibição de documentários, no Teatro Sá de Miranda, organizadas pelo FIKE – Festival Internacional de Curtas Metragens, entrecortadas com a apresentação de slideshows sobre trabalhos fotojornalísticos internacionais. E, no sábado de manhã, haverá um mercado do livro de fotografia, à disposição de quem gosta de guardar imagens para lá da espuma dos dias noticiosos e do última hora que nos refresca a mundo, quase ao minuto.

Sugerir correcção
Comentar