Ensaio sobre o poeta

O inteligente mas desequilibrado olhar de Pablo Larraín sobre Pablo Neruda é um “rascunho” do que o cineasta faria a seguir com Jackie.

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Embora em Portugal a ordem tenha sido invertida, Pablo Larraín filmou e estreou Neruda antes de Jackie.

São filmes gémeos, complementares, embora independentes um do outro (não é preciso ver Jackie para perceber Neruda e a inversa também é verdade). Mas recolocar os filmes na sua cronologia revela o olhar de Larraín sobre o lendário poeta chileno como um “ensaio” ou “rascunho” do filme sobre a viúva de John F. Kennedy.

Não estamos no campo do filme biográfico tradicional, antes do retrato impressionista e ficcionado, como se fosse através da invenção que a realidade se revelasse, o que é particularmente incisivo quando estamos a falar de um poeta, e Neruda, tal como Jackie, é um filme sobre a imagem projectada por oposição à realidade interior, sobre a maneira como uma figura pública é vista pelos outros e como ela própria manipula, ou não, essa projecção.

Neruda coloca a partida de Pablo Neruda para o exílio no centro de uma meta-ficção onírica, etérea, que remonta de um lado aos tempos do nouveau roman e do outro se instala no olhar microscópico que Larraín tem lançado ao longo da sua carreira sobre as convulsões da história chilena. O realizador fá-lo de maneira simultaneamente linear e surreal, mas sente-se que não está sempre em controlo do tom, que aqui e ali se perde no labirinto entre realidade e ficção, entre persona e imagem; é por aí que vemos Neruda, por si só obra inteligente, sólida, ousada como Larraín nos habituou, como “ensaio” para Jackie, filme que nos parece mais conseguido formal e narrativamente.

Mas mesmo essa ideia de “ensaio” faz todo o sentido no contexto do poeta do Canto Geral, e no contexto da obra do cineasta.

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