Não é o fim da Europa. É o seu renascer

Leio que é o fim do Reino Unido, da Europa e da União Europeia, enfim, o apocalipse. Não creio. Às vezes é preciso desistir para clarificar. Para nos deixarmos de ambivalências. Para não termos a sensação que aquilo que tentamos salvar é perpetuar o que não funciona. Desistir às vezes é importante para nos concentramos no essencial, traçar novos começos e operar novas possibilidades. O abdicar inglês da União Europeia pode funcionar dessa forma.

Nos últimos anos fui ouvindo intelectuais, artistas, agentes culturais e alguns políticos dizerem que este era o tempo de aprofundar a União Europeia e não de a pôr em causa. Que esta era a altura de cumprir-se uma Europa política capaz de impulsionar a emergência de uma autêntica cidadania europeia não limitada à cooperação económica e financeira. Que era urgente opor às narrativas populistas e nacionalistas – seja de direita ou de esquerda – propostas de actuação transnacionais, única forma de controlar o desregulamento do capitalismo global.

Fui ouvindo dizer que a verdadeira riqueza da Europa não eram os mercados mas a sua herança cultural no sentido mais lato e que era necessário que a União avançasse a um ritmo comum, atendendo aos mais lentos e não se deslocando ao revés destes.

Na prática os últimos anos de União Europeia foram o contrário disto, revelando a fragilidade das estruturas criadas para concretizar o sonho europeu, com contradições, paralisias e mediocridade. Resultado? Um cada vez maior cepticismo acerca de um projecto europeu que começou a ser responsabilizado por todas as dificuldades nacionais. O virar de costas inglês prova-o.

Dir-se-ia que a Europa se encontra agora a meio da ponte, paralisada, sem saber se recua ou aprofunda a União. Os ingleses resolveram desandar. Entre avanços e recuos, como em todos os processos de mudança, pode acontecer que outros países sejam tentados pelo mesmo movimento. Mas esta é também a oportunidade de aprofundar. O que já se percebeu é que não é possível continuar no meio da ponte onde a Europa tem permanecido, como se não quisesse confrontar-se com a realidade dolorosa, diga-se, com alguma responsabilidade britânica.

Durante anos a sua presença foi ambígua. Tinha um “estatuto especial”, dizia-se. Resultado: a maior parte das reformas esbarravam na visão britânica originando uma política de meio-termo que, no final, não agradava a ninguém. Agora os ingleses resolveram não dar ouvidos aos argumentos catastrofistas – sempre assentes na economia e no medo e nunca numa visão emancipadora de futuro – avançados pelos que queriam a permanência na União. Boa sorte para essa aventura solitária.

Mas mais importante é perceber o que vai acontecer com a União. Se não for agora que acorda da letargia e do seu labirinto, depois do choque de ver partir um dos grandes da Europa, e se não tem a capacidade de se mobilizar para relançar a construção de um projecto que assegurou a paz no continente nas últimas décadas, é porque merece fragmentar-se. Encarar a realidade de frente é difícil, e os próximos tempos anunciam-se complicados, mas é preferível isso do que fingir que está tudo bem. O tempo das ambiguidades chegou ao fim. E isso é bom. Ou sim ou sopas.

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