Morreu Stanley Greene, o fotógrafo que nos mostrou o lamaçal da guerra na Tchetchénia

A notícia foi avançada no Twitter por Jean-François Leroy, director do festival internacional de fotojornalismo Visa pour l’Image.

Foto
Stanley Greene Sarah Shatz/Cortesia NOOR

Morreu o fotógrafo Stanley Greene, reputado repórter de guerra norte-americano, cujo trabalho sobre a guerra da Tchetchénia ficará como um dos mais imponentes registos sobre aquele conflito, que se estendeu entre 1994 e 2009 e opôs forças rebeldes ao Exército da Rússia. A notícia foi avançada no Twitter por Jean-François Leroy, director do festival internacional de fotojornalismo Visa pour l’Image, que se manifestou "triste". 

Stanley Greene (Nova Iorque, 1949) trabalhou para agência francesa VU antes de fundar a cooperativa de fotografia NOOR, em 2007, agência com a qual mantinha ainda uma ligação.  

Entre os inúmeros cenários de conflito e de guerra por onde passou (Iraque, Azerbaijão, Somália, Caxemira, Croácia, Líbano, Chade), a Tchetchénia ocupa um lugar muito particular, tendo em conta que lhe dedicou mais de uma década de trabalho. O resultado desse olhar foi vertido para os livros Dans Les Montagnes Où Vivent Les Aigles (Actes Sud, 1995) e Open Wound: Chechnya 1994-2003 (Trolley Press, 2003), obra onde, segundo a descrição do site Popular Photography, representa os rebeldes tchetchenos de maneira “implacável”, ao mesmo tempo que demonstra “uma vontade de tomar partido por eles contra o Governo russo”, posicionamento que o levou a operar de forma clandestina com a ajuda de uma comunidade que agia de maneira a fazer-se notar o menos possível. "Fui acusado de ter perdido a minha objectividade. Mas quando nos sentamos a ver um genocídio a acontecer à nossa frente sem fazer nada, somos tão culpados como os que o estão a cometer", disse à Newsweek em 2004. 

As fotografias de Greene desta guerra que atravessou o milénio (primeiro entre 1994 e 1996, depois entre 1999 e 2009) captam de forma ímpar a brutalidade e o imenso lamaçal em que se tornou o conflito, bem como a precaridade extrema em que sobreviviam os poucos habitantes da região. Imagens de Greene deste conflito também foram publicadas no livro A Dirty War: A Russian Reporter in Chechnya (2001), da jornalista russa Anna Politkovskaia, conhecida pela cobertura crítica do conflito, que viria a ser assassinada com cinco tiros no dia 7 de Outubro de 2006, em Moscovo, a mando do ex-coronel russo Dmítri Pavliutchenkov, condenado a onze anos de prisão em 2012, após ter confessado o planeamento do crime.

No Mali, durante a cobertura de um conflito, percebeu que não sabia como fotografar "pessoas a morrer com moscas na cara". Na altura, uma das soluções que encontrou passava por fotografá-las como se fossem modelos de moda, conforme reconheceu num texto do livro Open Wound. "Não gosto daquelas fotografias - não têm alma. Mas deram-me uma lição: é preciso tirar fotografias com o coração e não com a cabeça."   

Nascido no seio de uma família de classe média, filho de pais actores, o activismo político e social marcou a juventude deste fotógrafo, que foi membro dos Panteras Negras e lutou contra a guerra do Vietname. Segundo uma nota biográfica do site Popular Photography, foi o fotógrafo W. Eugene Smith (1918-1978) que, em 1971, convenceu Greene a inscrever-se na New York School of Visual Arts e depois no San Francisco Art Institute para estudar fotografia de uma maneira mais "formal" e afincada. Antes disso, Smith tinha oferecido a Greene um espaço no seu estúdio, onde acompanhou os seus primeiros passos na fotografia que passou a estar mais voltada para os acontecimentos à sua volta. Isto porque o primeiro uso que Stanley Greene fez da imagem fotográfica era sobretudo de ordem prática, já que lhe servia simplesmente para catalogar material iconográfico que usava nas suas pinturas, a primeira arte a que se dedicou.

Do "diletantismo" de Paris ao Furacão Katrina

Durante os anos 70 e 80, Greene produziu um dos seus primeiros grandes ensaios, The Western Front, que documenta a cena punk de São Francisco. Começou a trabalhar para revistas nos anos 80 e chegou a fazer parte do quadro do jornal New York Newsday, para o qual fotografava sobretudo bandas e concertos rock. Em 1986, mudou-se para Paris para fotografar moda. Começou aqui uma vida de “diletantismo”, passando a vida em cafés, a fotografar raparigas e drogar-se com heroína, segundo contou à revista Newsweek. A morte de um amigo com sida levou-o a abandonar as drogas e a considerar uma carreira como fotojornalista.

O fotojornalista da Newsweek Lester Sloan considerava Stanley Greene um dos seus "heróis" e escreveu um depoimento em 2008 para Popular Photography sobre ele: “Greene nem sempre foi um monge autoproclamado. Respondeu com relutância ao chamamento [para com a fotografia]. Desafiando os seus pais, desperdiçou boa parte da juventude perseguindo todas as promessas ocas que as drogas e a vida na rua ofereciam. ‘Eu era aquele rapaz em relação ao qual os meus pais me disseram para ficar longe’, diz ele.”

Quando Greene ouviu em Paris as primeiras notícias sobre a queda do mudo de Berlim, 1989, apressou-se a chegar até lá. Uma das imagens que captou nesse momento histórico – Kisses to All, Berlin Wall, que mostra uma rapariga de tutu a pegar numa garrafa de champagne, perante o olhar de militares alemães – tornou-se um símbolo da queda do muro. O fotógrafo descrevia-a como "uma imagem de moda". Certo é que o efeito dominó provocado por este acontecimento e o declínio do comunismo, despertaram Greene para as mudanças que estavam a acontecer na Europa de Leste. Em 1991, entrou para a agência VU e foi ao serviço desta agência francesa que ia perdendo a vida na Casa Branca de Moscovo, durante uma tentativa de golpe de Estado contra o então Presidente Boris Ieltsin. Era o único repórter ocidental a cobrir estes acontecimentos e duas imagens deste trabalho valeram-lhe outros tantos prémios no World Press Photo. A partir de Moscovo, trabalhou para jornais e revistas de todo o mundo, entre quais Libération, Paris Match, Time, The New York Times Magazine, Newsweek e Le Nouvel Observateur.

Lester Sloan: "Para ele, a fotografia é sobre muitas coisas: memória, história, psicologia, ritmo, música e dança. Não é limitada pela cor nem pela geografia. Greene sente que ele é uma parte de todos aqueles que vieram antes dele e um precursor daqueles que se seguirão."

Outro dos trabalhos marcantes da carreira de Stanley Greene mostra as consequências do furacão Katrina, que devastou a costa litoral sul dos EUA, em 2005. Um ano depois, o Open Society Institute atribui-lhe o Katrina Media Fellowship. E em 2010, com a ajuda do fotógrafo holandês Kadir van Lohuizen, Greene começou um trabalho colaborativo para documentar as consequências a longo para os habitantes da costa.

Também em 2010, seria publicado Black Passport (Schilt), um livro autobiográfico e retrospectivo da sua obra. A editora Aperture, que também distribui o livro, afirma que é uma obra "excepcionalmente pessoal" e "ostensivamente objectiva". "Em Black Passport, [Greene] leva o espectador para os bastidores da notícia ao mesmo tempo que reflecte sobre a sua carreira, oscilando entre a segurança relativa da vida no Ocidente e os traumas das guerras longe de casa. Este vislumbre dos pólos que compõem a vida de Greene levanta questões essenciais sobre o papel do fotojornalista, bem como preocupações sobre suas repercussões", refere ainda a nota de divulgação da Aperture. 

O grau de compromisso de Greene em cada trabalho era elevado: "É preciso ser um monge para fazer este trabalho." Um dos últimos ensaios de longo curso a que se dedicou está relacionado com o lixo electrónico em países como a Nigéria, Índia, China e Paquistão.

Stanley Greene recebeu várias bolsas de criação e inúmeros prémios, entre quais Lifetime Achievement Visa d’Or Award (2016), Aftermath Project Grant (2013), Prix International Planète Albert Kahn (2011), W. Eugene Smith Award (2004), Alicia Patterson Fellowship (1998) e cinco World Press Photo. Este ano, foi o fotógrafo escolhido para dar principal palestra na cerimónia de anúncio destes prémios, em Amesterdão, na Holanda.

Sugerir correcção
Comentar