Making a Murderer: Mais de 300 mil pessoas pedem o perdão de Steven Avery

O mais recente fenómeno do Netflix é uma série documental sobre um homem condenado erradamente, absolvido depois de 18 anos de prisão, e depois condenado outra vez. À imagem do podcast Serial, a opinião pública ergue-se em sua defesa.

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A fotografia de detenção de Avery Netflix

Steven Avery é um ícone da inocência bastante improvável. Ao contrário de Adnan Syed, o homem no centro do podcast Serial, não é particularmente carismático nem eloquente, nem tem uma história associada ao homicídio pelo qual foi condenado com que nos podemos identificar – no caso de Syed, foi um romance de liceu.

Mas há uma coisa que Avery, de 53 anos, tem: Making a Murderer, uma série documental do Netflix que levanta questões sobre as circunstâncias que envolvem a sua detenção e condenação. E, com ela, uma colecção de cenas, documentos e teorias que apresentam uma imagem de inocência que Avery nunca teve enquanto homem livre.

Em 2007, Avery foi condenado por um júri no condado de Calumet, no Wisconsin, pelo homicídio da fotógrafa Teresa Halbach. Cumpre uma pena de prisão perpétua na prisão de Waupun, no Wisconsin. Os fãs do documentário não o querem ver lá.

Até ao início do dia de terça-feira, a série levou cerca de 300 mil pessoas a assinar petições no site Change.org e na página da Casa Branca que pedem o perdão de Avery – uma impossibilidade perante a Constituição norte-americana, que permite apenas perdões presidenciais para condenações por crimes federais.

“Esta é uma mancha negra no sistema judicial como um todo, e deveria ser reconhecida enquanto e ao mesmo tempo dar a estes homens a possibilidade de viverem uma vida tão normal quanto possível”, diz a petição no site da Casa Branca, que também pede a libertação de Brendan Dassey, o sobrinho de Avery que foi condenado num julgamento separado por ter tido um papel no homicídio e agressão sexual de Halbach. Avery foi preso por ter sido condenado também por agressão sexual, mas foi exonerado dessa acusação em 2003.

Depois de ver Making a Murderer, escreve Michael Seyedian, que lançou a petição no site Change.org, “estou ultrajado com as injustiças que se permitiu que se conjugassem e que foram deixadas sem verificação no caso de Steven Avery... O tratamento inconstitucional de Avery às mãos das corruptas forças policiais e judiciais locais é completamente inaceitável e uma abominação do devido processo legal”. Esta declaração aparece sob uma fotografia de Avery no tribunal, sem data: de bigode, sobrolho franzido e papos debaixo dos olhos, o mais recente “projecto de inocência” acolhido por um público inflamado por uma história de verdadeiro crime e castigo.

Este homem de 53 anos nasceu no Wisconsin e cresceu no condado de Manitowoc, onde a sua família tinha um negócio de salvados automóveis e onde foi construindo a sua reputação - consideravam-nos desordeiros. Eram marginais, pessoas sem educação numa pequena comunidade.

O jovem Avery tinha barba. Dizia que “era estúpido e que andava com as pessoas erradas” quando cresceu, o que resultou no seu envolvimento num par de assaltos e num acto de crueldade para com animais. Mas é um violador? Um assassino?

A primeira acusação, de violação, foi associada ao seu nome em 1985 e invalidada 18 anos mais tarde. Avery passou anos na prisão pela violenta agressão sexual de uma figura amada na comunidade -  tudo o que ele não era, segundo o documentário – para depois ver provas de ADN revelar que o crime não fora cometido por ele.

Avery manteve sempre a sua inocência, e quando foi libertado interpôs um processo cível pelo erro da sua condenação contra o condado e no valor de 36 milhões de dólares. Pela primeira vez na sua vida, acreditavam que ele era o bom da fita. Deu por si a lidar com entrevistas às televisões e aparições públicas que o pintavam como um exemplo superlativo de resiliência face a um castigo injusto.

O perdão foi de curta duração. Dois anos depois de Avery ter pensado que escapara para sempre a uma vida atrás das grades, foi acusado de ter morto Halbach.

Depois de a fotógrafa ter sido dada como desaparecida, o seu carro foi encontrado no ferro velho da sua família e os procuradores disseram que os testes de ADN revelaram que havia sangue de Avery no veículo.

Mais uma vez, ele negou qualquer delito. O júri não acreditou.

“A única coisa em que consigo pensar é que estão a tentar coagir-me outra vez e a ver se conseguem fazê-lo sem serem apanhados desta vez”, disse Avery à agência Associated Press em 2005. Este era o cenário que a sua família temia: ao permanecerem no condado contra o qual tinha interposto um processo, arriscaram ser alvo de retaliação.

Making a Murderer sugere a inocência de Avery ao apontar para todas as partes da sua vida que o fizeram parecer culpado aos olhos do júri. Excepto pela sua condenação errada, tinha cadastro. Os seus irmãos tinham um historial de agressão sexual e acusações de assaltos. O sobrinho de Avery, Dassey, então com 16 anos e que tem problemas de aprendizagem, disse à polícia que o tio o tinha obrigado a violar Halbach e a ajudá-lo a desfazer-se do seu corpo.

É então que o documentário teoriza: será que as mesmas coisas que fizeram com que Avery pareça culpado são as que o tornaram tão fácil de incriminar? Pelo menos 300 mil pessoas acreditam que sim.

Muitos dos comentários na petição do Change.org são longos, cheios de apelos apaixonados pela libertação de Avery e de Dassey.

“Sou um antigo polícia militar, sou licenciado em Justiça Criminal e estou a estudar Direito”, escreveu Whitney Rasberry de Friendswood, Texas. “Li e/ou vi milhares de casos criminais. NUNCA vi uma coisa assim”. Jennifer Welch de Two Rivers, Wisconsin, diz: “Todo este caso é uma anedota! Avery era um alvo no dia em que a violação aconteceu! Na cidade onde vivemos (vivo no mesmo condado que eles) se se é diferente de qualquer forma, do aspecto às crenças, passando por ser rico ou pobre, pela maneira de vestir, de falar ou com quem se fala, TUDO é julgado”.

Entretanto, o xerife do condado de Manitowoc, Robert Hermann, tem estado a lidar com centenas de telefonemas zangados sobre Avery desde que o documentário se estreou no Netflix a 18 de Dezembro. Embora não tenha visto a série, Hermann disse ao jornal Milwaukee Journal Sentinel na semana passada que acredita que o programa só vê o caso de um lado. O procurador especial do Estado no julgamento de Avery por homicídio, Ken Natz, disse à televisão local WBAY-TV que foi “vilipendiado, insultado e ameaçado” por causa de Making a Murderer.

E mantém a sua certeza quanto à condenação. “Na minha opinião, dois homicidas foram retirados das ruas”, disse Katz, que foi contactado pelos produtores da série mas que declinou ser entrevistado. Disse à Fox 11 News: “Acredito que há 80 a 90% de provas físicas, de provas forenses, que ligam Steven Avery a este homicídio e que nunca foram apresentadas neste documentário”.

Embora os familiares de Halbach tenham declinado participar no documentário, disseram em comunicado, citado à WBAY-TV: “Tendo acabado de passar dez anos sobre a morte da nossa filha e irmã, Teresa, entristece-nos que indivíduos e empresas continuem a criar entretenimento e a procurar lucrar com a nossa perda”.

O movimento em torno do perdão de Avery segue um caminho similar ao suscitado por Serial, o podcast sobre a condenação por homicídio de Adnan Syed pela morte, em 1999, da sua ex-namorada, Hae Min Lee. Na era do fanatismo por crimes reais pós-Serial, tem-se verificado um escrutínio e cepticismo cada vez maior sobre o sistema judicial e criminal. Ao mesmo tempo, há também uma atenção renovada sobre o tribunal da opinião pública.

Tal como com o que acontece agora com a história de Avery, os fãs de Serial conceberam as suas próprias teorias quanto ao verdadeiro culpado por trás da morte de Lee e criaram defesas apaixonadas em prol de Syed. Em Novembro, o juiz Martin Welch, do Círculo Judicial de Baltimore, concedeu uma nova audiência para o caso de Syed para ouvir novas provas que os seus advogados esperam que levem a um novo julgamento. O tribunal vai ter em conta o testemunho de uma testemunha, Asia McClain, que contribuirá para reforçar o alibi de Syed, mas também analisará a fiabilidade das provas relacionadas com um telemóvel que foram usadas para rastrear o paradeiro de Syed – ambos elementos do caso que foram explorados em Serial.

Nota de tradução: desde a publicação original deste texto no Washington Post, o número de signatários cresceu e esses números foram actualizados em relação ao texto original

Exclusivo PÚBLICO/The Washington Post

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