±MAISMENOS± deixa a sua marca na terra da fragilidade

O artista urbano Miguel Januário tem inscrito a sigla ±MAISMENOS± pelas ruas ou galerias, em intervenções que pretendem estimular o pensamento crítico. Agora no Porto e Lisboa inaugura novas instalações, com as comemorações do 25 de Abril em fundo.

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Por estes dias, Miguel Januário, mais conhecido pelo projecto que desenvolve com a sigla ±MAISMENOS±, não tem parado um segundo.

Quinta, no Porto, nos Maus Hábitos, inaugurou uma retrospectiva, patente até 17 de Maio. E esta sexta, às 23h, no espaço do MusicBox, em Lisboa, inaugura a instalação Menos Abril, no âmbito do evento Lisboa, Capital, República, Popular, que acontece naquele espaço por estes dias.

E nas últimas semanas tem-se envolvido nas mais diversas iniciativas no âmbito das comemorações dos 40 anos do 25 de Abril, tendo participado na pintura do muro da Universidade Nova da Avenida de Berna, a convite da estrutura Underdogs do cúmplice Vhils, ou nos trabalhos que estão expostos na GAU (Galeria de Arte Urbana), ao cimo do Elevador da Glória, onde se poderá visualizar um mural da sua autoria (Moral de Abril).

No meio do ruído visual da cidade as suas intervenções estimulam o pensamento crítico e colocam em causa as formas convencionais de comunicação do espaço público. Jogou golfe com pão em frente à Assembleia da República e filmou o acto ou projectou o funeral de Portugal, em projectos de impacto imediato. Em intervenções artísticas na rua ou no circuito expositivo da arte contemporânea, acaba por promover reflexões sobre a sociedade de consumo e o neoliberalismo desregulado, tendo vindo nos últimos tempos a ganhar cada vez maior visibilidade.

Mas vamos por partes. No Maus Hábitos do Porto, está “um apanhado do projecto dos últimos anos”, resume Miguel Januário. “Há peças relevantes do meu percurso, há vídeos e algumas peças também da exposição Sell Out, que produzi o ano passado em Lisboa, na galeria Underdogs.” E existe também uma peça nova intitulada Grândola, Vila Moderna, uma reescrita da letra da canção que se tornou senha do 25 de Abril de 1974.

“Reescrevi a letra do ‘Grândola’ e convidei dois músicos para a cantarem – o Carlos Raposo, dos Macaco Egoísta, e a Sofia Arriscado, dos Stereoboy – e criei um vídeo”, explica. “À medida que a letra é interpretada, a mesma vai surgindo escrita nas paredes da cidade, onde andei a filmar e a colar cartazes em vários locais, com frases alusivas à canção”, explicita.

Esta sexta, no MusicBox, esse vídeo também poderá ser visto. Mas haverá mais. “Há também uma instalação a que dei o nome Palavras Leva-as o Cêntimo, onde utilizo ecrãs de leds, onde irão passar frases que tenho desenvolvido.” A instalação poderá ser vista até Julho no MusicBox.

Em todas estas acções em que o contexto é o 25 de Abril existe uma tentativa de inscrição na actualidade, qualquer coisa que se pode verificar, por exemplo, na forma plástica como manipula frases que fazem parte do imaginário da larga maioria: “O polvo é quem mais ordena”; “E depois do adeus, adeus”; “Grândola, vila moderna”; “Terra da fragilidade”; “O futuro é para sempre”; “Abril, mágoas mil” ou “Ser poeta é ser mais alvo”.

Os murais do 25 de Abril de 1974 constituem uma referência para ele, mas “a ideia é actualizar, não só em termos estéticos, mas também em termos de alma, porque os tempos mudaram, a urgência é outra”, reflecte. “É interessante ver essa estética ressurgir agora, mas, ao mesmo tempo, é necessário procurar novas ideias estéticas e conceptuais.”

Em quase tudo o que faz existe um misto de cariz contestatário e um certo toque de melancolia. “Sim, é isso”, concorda. “No caso específico do novo projecto, Grândola, existe essa conjugação. Naquilo que escrevo há contestação, mas também constatação. É revolta versus melancolia. É uma observação revoltada, mas ao mesmo tempo fria, incisiva e até autocrítica. Alguém uma vez disse que lido com o inconseguimento. Faz-me sentido.”

O seu trabalho denota consciência social e política e entendimento do seu lugar como artista, movendo-se nos interstícios da arte contemporânea da galeria e da arte pública de rua. “Vejo os meus projectos como uma tela em branco onde as pessoas podem projectar o que não podem, não conseguem ou não sabem como dizer”, afirma. “É importante sentir-me no meio das pessoas. Mesmo quando exponho, mantenho a ligação com a rua. Há continuidade e não um corte.”

Mas não é apenas em Portugal que a sua acção tem sido reconhecida nos últimos tempos. Até há alguns dias, trabalhos da sua autoria poderiam ser vistos na importante mostra Street Art – Um Panorama Urbano, que esteve patente na Caixa Cultural de São Paulo, no Brasil, onde se exibiam também obras do inglês Banksy, do português Vhils ou do francês Rero. Em Julho a mostra segue para o Rio de Janeiro, com ele a prometer várias acções nas ruas da cidade. Até lá é em Lisboa e no Porto, nas ruas, ou em espaços fechados, que o seu trabalho pode ser desfrutado.

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