Libertação trip metal

Wolf Eyes, trio de Michigan, apostam mais na sugestão do que no ataque. Actuam quarta-feira na ZDB, em Lisboa.

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Wolf Eyes: uma atitude niilista inspirada pelo punk e pelo metal Doug Coombe

Em 2008, em entrevista ao Ípsilon, o crítico e divulgador musical David Keenan elogiava bandas como os Lightning Bolt e os Wolf Eyes. “Fazem da música experimental algo físico e baseado em energia, completamente sedutor. Fazem explodir a ideia de que isto é música difícil. É tão físico que ultrapassa o cérebro, é difícil resistir. É por isso que, quando quero converter alguém a esta música, aconselho a ver estes grupos ao vivo”, acrescentava.

Por esta altura, os Wolf Eyes já tinham posto a cabeça de fora do underground — tinham já editado pela Sub Pop e colaborado ao vivo com Anthony Braxton, importante figura do jazz (um encontro documentado no sublime Black Vomit). Nos últimos 20 anos, este grupo do Michigan, nos Estados Unidos, lançou dezenas — ou centenas — de discos, a maioria cassetes e CD-Rs caseiros e raríssimos. Fazem música com a intensidade electrónica dos Throbbing Gristle, a liberdade do free jazz e uma atitude niilista inspirada pelo punk e pelo metal — para sentir ao vivo quarta-feira na Galeria Zé dos Bois, em Lisboa.

O último disco com circulação menos subterrânea foi I Am A Problem: Mind In Pieces (2015), lançado pela Third Man Records de Jack White. Undertow chega-nos através da própria banda, que fundou a editora Lower Floor Music. O guitarrista James Baljo, que entrou para os Wolf Eyes em 2013, trouxe uma maior atenção à estrutura e às frases, coincidindo com um afastamento do rótulo “noise” e a adopção do hilariante e libertador “trip metal”, o que se volta a sentir neste Undertow. Presumimos a influência de Baljo em Empty island, o mais próximo do rock “clássico” (reforçar as aspas porque é de Wolf Eyes de que falamos) neste disco — lembra o transe ritualístico de uns Sunburned Hand of the Man. Há um riff que aparece e reaparece nas digressões de duas guitarras libertinas, enquanto sopros e detritos sónicos flutuam numa câmara de ecos.

Laughing tides, com apenas 1:50, é mais abstracta, aproximando-se das explorações em quinquilharia metálica dos Einstürzende Neubauten. Na faixa-título, uma linha de baixo repetida e sintetizadores lamacentos fazem a cama em que se deitam os mais terríveis horrores (saxofones a engalfinharem-se, avarias múltiplas) e uma voz sonâmbula. É, à falta de melhor termo, dub para filmes de terror, algo que poderíamos também dizer de Thirteen, epílogo e peça mais longa do disco (quase 14 minutos), caminhada progressiva para a confusão sónica, a ultrapassagem do cérebro que Keenan elogiava.

Os Wolf Eyes alargaram o léxico e apostam mais na sugestão do que no ataque noise frontal de outros tempos, mas continuam a fazer música que inquieta e nos obriga a reagir.

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