Lembra-se da greve dos argumentistas? Dez anos depois, pode vir aí outra

Séries de Verão e de Outono podem ser afectadas, avisa o sindicato norte-americano que admite início da paralisação já em Maio.

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A greve de 2007/08 FRED PROUSER/Reuters

Lembra-se da greve dos argumentistas americanos de 2007/8? Ou melhor, lembra-se de o Daily Show ter ficado sem quem lhe escrevesse as piadas ou de os Globos de Ouro se terem tornado uma conferência de imprensa? A histórica greve custou centenas de milhões de dólares e é ao dinheiro que o sindicato dos guionistas norte-americanos está a apelar agora, falando pela primeira vez aos anunciantes na possibilidade de já dia 2 de Maio os argumentistas americanos paralisarem. E de a programação televisiva começar a estacar.

Numa altura estratégica – em meados de Maio realizam-se os upfronts, os encontros de televisões e anunciantes em que as primeiras anunciam as suas apostas para o Outono e os segundos reservam o precioso espaço publicitário em função disso mesmo -, a Writers Guild of America (WGA) mandou uma carta às incontornáveis agências de meios e compradores de publicidade. É nesta altura do ano que os canais vendem o grosso do seu espaço publicitário.

Na carta, citada nas últimas horas pela imprensa norte-americana, o director executivo da delegação Oeste da WGA revela que existe “uma potencial divergência laboral que pode ter um impacto significativo na programação de horário nobre da temporada televisiva de 2017-18”.

No documento, o responsável pela Guilda dos Argumentistas da América, o sindicato que representa a esmagadora maioria dos guionistas a trabalhar em televisão, cinema e rádio nos EUA, acrescenta ainda que “qualquer atraso ao início dos trabalhos tem o potencial de adiar as estreias do Outono e de reduzir a quantidade de nova programação disponível para anunciantes e público”.

“Uma paralisação dos trabalhos pode começar a 2 de Maio” e pode mesmo afectar, nomeia Young, talk shows como o Tonight Show de Jimmy Fallon, ou o Late Show de Stephen Colbert (ambos transmitidos em Portugal com pouca diferença temporal dos EUA na SIC Radical). Estes podem ficar impossibilitados de ir para o ar, bem como algumas séries de ficção que devem ir para o ar já neste Verão, porque “a escrita e a produção para a temporada está em curso”. Em 1988, na greve de argumentistas que antecedeu a que decorreu entre 5 de Novembro de 2007 e 12 de Fevereiro de 2008, as partes só chegaram a acordo em Agosto e a rentrée televisiva acabou por se atrasar cerca de um mês, como nota a Hollywood Reporter.

A carta, em que é mencionada pela primeira vez a hipótese de greve, sobre a qual os membros da WGA estão prestes a votar , está a ser vista como uma forma de pressão. O contrato colectivo com os estúdios actualmente em vigor termina a 1 de Maio. Estas movimentações seguem-se a semanas de negociações com os produtores e surgem num mundo em que a janela de exibição entre o mercado americano que produz e o internacional que o exibe é cada vez mais estreita e, por isso, ainda mais afectado imediatamente pelos efeitos de uma possível greve.

Tal como em 2007-8, esta é uma disputa entre a Alliance of Motion Picture and Television Producers (AMPTP) – que representa cerca de 400 produtores de TV e cinema – e os argumentistas no habitual tema dos pagamentos. A AMPTP diz querer chegar a acordo com a WGA, que há uma década fez a primeira greve de argumentistas em 20 anos e provocou a paralisação da esmagadora maioria das séries de ficção, a paragem de quase todos os talk shows nocturnos, além de ter causado alguns cancelamentos na TV, há muito conhecida como “o meio dos argumentistas” por oposição ao cinema, coutada dos realizadores.

Foram cem dias que diferentes fontes quantificam de forma díspar: há quem fala em perdas, só em Los Angeles e na sua máquina de produção e filmagens, de 380 milhões de dólares (segundo a Anderson School of Management da Universidade da Califórnia) ou mesmo de 2,5 mil milhões de dólares (estimativa em 2007 da própria WGA).

Para a Guilda, a greve dos argumentistas “resultou na perda de quase 25% da programação com guião do horário nobre” nessa temporada e “levou a uma maior aposta na programação de reality e a quebras nas audiências”. Na época discutiam-se os direitos de autor sobre as edições em DVD e "a Internet", entre outros temas. Hoje há uma maior produção televisiva, mas de séries e formatos mais curtos, por exemplo. E os contratos continuam com a duração de antigamente, ou simplesmente por definição só libertam um argumentista de uma exclusividade e de procurar vender o seu trabalho a outras entidades depois de, por exemplo, a série em que trabalharam ganhar uma segunda temporada. Algo que, na era das séries de antologia ou séries-acontecimento, é mais raro.

E agora, a televisão faz-se também da Amazon, do Netflix ou dos serviços de vídeo on demand dos operadores de televisão por subscrição. “No passado, os argumentistas fizeram um acordo com as pessoas do dinheiro e disseram: ‘ Vamos dar-vos margem enquanto esta coisa nova está a começar’ – fosse o cabo, o DVD ou o streaming online. Mas quando estas coisas estão lançadas a sério, nunca chegamos lá”, diz ao Guardian Graham Yost, showrunner de Justified (Mov) ou The Americans (Fox Crime).  Em causa estão ainda planos de reforma e de cuidados de saúde para este grupo profissional.

De acordo com a Hollywood Reporter, a carta da WGA quantifica também pela primeira vez publicamente o que querem os argumentistas, que são ”propostas que custariam um total de 178 milhões [por ano] a toda a indústria”, entre grandes estúdios como a Disney e canais como a NBC ou a Fox.  

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