Julho ao Norte: melómanos e veraneantes
Os festivais de Espinho e da Póvoa de Varzim continuam a rivalizar com programas de primeira água que dificilmente decepcionam os seus fiéis seguidores. Assim voltou a ser este fim-de-semana.
Para os menos adeptos do calor, as praias do Norte oferecem uma saudável alternativa aos mais vulgares destinos estivais, complementada com propostas musicais de primeiras águas. Cada uma com o seu público específico, a que se juntam nómadas melómanos, Espinho e Póvoa de Varzim rivalizam desde há largos anos com programas que dificilmente decepcionam os seus fiéis seguidores.
O fim-de-semana que passou – o segundo do 39.º Festival Internacional de Música da Póvoa de Varzim (FIMPV) e o terceiro do 43.º Festival Internacional de Música de Espinho (FIME) – não ficou aquém das expectativas. Com salas cheias de público entusiasta, ambos os festivais cumpriram a promessa de elevados momentos musicais.
Na sexta-feira, foi a Orquestra Metropolitana de Lisboa a subir ao palco do Cine-Teatro Garrett (Póvoa de Varzim), principiando o concerto com a abertura Egmont, de Beethoven. Pedro Amaral deixava, então, antever a sobriedade que a sua interpretação da Sinfonia nº 1 de Brahms viria a confirmar: uma magistral construção, sabiamente contida, com uma racional gestão de tempi, que mereceu demorados aplausos no final do quarto andamento. Do equilibrado conjunto sobressaíu o naipe dos primeiros violinos. Enfatizando (quase justificando) a surpreendente afinação e sincronia desse naipe que lidera, Ana Pereira desenhou discretamente, com imaculada perfeição, os curtos solos do Andante Sostenuto. Nota de distinção também para timpaneiro, oboísta e primeira flauta.
Antes, porém, de se chegar à Sinfonia, o muito jovem percussionista Agostinho Sequeira (Almada, 1998) teve oportunidade de se apresentar como solista com Speaking Drums – quatro poemas para percussão solo e orquestra (2012-13), de Peter Eötvös (Odorheiu Secuiesc, 1944). Longe de se tratar de uma obra musicalmente muito profunda, Speaking Drums interpelou directamente o público, arrancando à plateia uma perceptível empatia para com a sua comicidade. Muito eficazmente orquestrada e situando-se próxima de certo teatro-música, a obra carrega uma forte imagética, de afinidades mais ou menos explícitas em relação ao cinema de animação norte-americano. Ao solista, pede-se um versátil virtuosismo (mais na interpretação do que no domínio técnico), que passa pela teatralização de um conjunto de vocábulos aparentemente sem sentido verbal. Muito aplaudido, Agostinho Sequeira – Prémio Maestro Silva Pereira em 2016, formado pela Escola Profissional Metropolitana e actualmente a frequentar o Conservatório de Amesterdão – mostrou-se merecedor de um futuro em palco.
Rumando um pouco mais a Sul, a noite seguinte propunha um colossal programa mais intimista. Se deixáramos a Póvoa de Varzim com Brahms, foi com a transcrição para dois pianos de um quinteto do mesmo compositor que Tamara Stefanovich e Pierre-Laurent Aimard nos acolheram em Espinho.
Mais nova do que o distinto pianista francês, com quem chegou a estudar em Colónia e mantém um duo bastante activo, a pianista sérvia assumiu brilhantemente o primeiro piano nas duas obras que esta fortíssima dupla interpretou – a Sonata para dois pianos, em fá menor, op. 34b, de Brahms e a Sonata para dois pianos e percussão, Sz. 110, BB 115, de Bartók. Tal distribuição de papéis não se fez, porém, sem uma inesperada desvantagem para o público: habituado a cantarolar para o lado esquerdo enquanto toca, Pierre-Laurent Aimard partilhou generosamente com o público as suas “deslocadas” entoações, que a acústica do Auditório de Espinho se encarregou de evidenciar.
Tal como Amaral, também esta dupla de pianistas privilegiou uma forte construção em detrimento da “provocação imediata” a que os largos gestos brahmsianos poderão conduzir.
Para a Sonata de Bartók, Aimard veio acompanhado do seu habitual percussionista, Daniel Ciampolini (antigo solista do Ensemble Intercontemporain que tem estreado diversas obras, entre as quais a mesma Speaking Drums que Agostinho Sequeira havia interpretado na véspera, no FIMPV). Menos experiente, mas sem a menor hesitação, Nuno Simões executou o papel de segundo percussionista. O público ergueu-se em vivos aplausos, saudando a enérgica interpretação do conjunto.
O FIMPV prossegue esta quinta-feira, com um recital de piano de Raúl da Costa, e o FIME regressa no próximo sábado, para um encerramento ao ar livre em que junta Richard Galliano e a Orquestra Clássica de Espinho.